São Paulo, terça-feira, 18 de julho de 2000


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Qual é o desafio futuro da psicanálise?

RENATO MEZAN, psicanalista, autor de "Freud - Pensador da Cultura" (Brasiliense), entre outros. Está relançando neste mês "Freud - A Conquista do Proibido" (Ateliê Editorial):
"Os principais desafios para a psicanálise são, a meu ver, dois: manter o que foi conquistado nestes cem anos e ampliar o raio da sua ação terapêutica e crítica. Construiu-se um sólido edifício de conhecimento sobre a alma humana e seus padecimentos e desenvolveram-se técnicas sofisticadas para intervir neles. É preciso agora avançar na compreensão e no tratamento das patologias contemporâneas, como a depressão ou as perturbações psicossomáticas, e jamais perder de vista o gume crítico da psicanálise, seu olhar engajado e distanciado sobre a ideologia, os costumes, as paixões humanas. Por fim, abrir-se com humildade, mas também com serenidade, ao diálogo com as disciplinas conexas -psiquiatria, filosofia, ciências humanas em geral".

ALFREDO JERUSALINSKY, psicanalista, autor de "Psicanálise e Desenvolvimento Infantil" (Artes e Ofícios), entre outros:
"Três são as questões fundamentais. Demonstrar que entre a psicanálise e as recentes descobertas neuromoleculares não somente não há oposição, mas confirmação das hipóteses que a psicanálise deduziu a partir da clínica. Desdobrar uma práxis interpretativa dos impasses do discurso social que abra novos caminhos de reflexão e de pesquisa no campo da psicopatologia da sociedade. Sustentar esse pequeno, mas único, grau de liberdade que o sujeito pode almejar: o engajamento singular na palavra diante da falácia de qualquer universal totalitário".

CATERINA KOLTAI, psicanalista, autora de "Política e Psicanálise - O Estrangeiro" (Escuta), entre outros livros:
"Acredito que a psicanálise, apesar de assediada pelo movimento de racionalização técnico-científico que vem tomando conta de todos os campos da atividade humana, resiste. Por não ensinar o sentido da vida, mas permitir que o sujeito, ao questionar sua história e suas escolhas, encontre um sentido para a própria vida, ela permanece, a meu ver, uma aventura possível. Já que é com a oferta que se cria a demanda, acredito que chegou a hora de o analista lançar novas ofertas -o que aliás já vem sendo feito-, democratizar a psicanálise e levar a escuta analítica até instituições, prisões, desempregados etc. E quem sabe falar do prazer desse ofício".

JURANDIR FREIRE COSTA, psicanalista, colunista do Mais!, da Folha, e autor de "Sem Fraude Nem Favor", entre outros:
"O principal desafio da psicanálise é integrar a seu corpo conceitual as novas concepções de sujeito, construídas a partir do desenvolvimento das neurociências, neurofisiologia etc. Dito de outra forma, o enigma consiste em pensar sobre a questão do "sentido" ou do "significado" da vida mental, em seus aspectos cognitivos, afetivos e volitivos, sem desconhecer as descrições fisicalistas das emoções, atos, condutas, pensamentos etc. Nada me parece tão empolgante, do ponto de vista clínico-teórico, quanto essa tarefa. Manter viva a interrogação do sujeito sobre seu destino humano, aceitando, ao mesmo tempo, o aporte dos horizontes abertos pelas modernas investigações neurofisiológicas, esse, penso, foi um dos grandes sonhos de Freud".

ADOLF GRÜNBAUM, filósofo norte-americano, presidente do Centro para Filosofia da Ciência, da Universidade de Pittsburgh (EUA):
"O desafio mais sério vem, ao nível teórico, das dúvidas e das evidências que a desmentem, relativas aos postulados básicos da teoria freudiana da psicopatologia, dos sonhos e da dinâmica da terapia".

LEOPOLD NOSEK, psicanalista, curador no Brasil de "Freud: Conflito & Cultura"; co-autor de "The Perverse Transference & Other Matters" (ed. Aronson), entre outros:
"A psicanálise deverá procurar soluções em campos aparentemente contraditórios. Por um lado, deverá manter sua especificidade de prática, teoria e pesquisa. Aí reside também a sua potência terapêutica. Tratar de não ser seduzida por soluções psiquiátricas trazidas pelos recentes progressos das neurociências, incluindo o apelo a um projeto de inspiração positivista e médica. Cabe também, disciplinadamente, não permitir que ela se torne instrumento que pretenda tudo abordar e tudo explicar. Precaver-se do apelo que soluções aparentemente rápidas podem trazer. Por outro lado, deverá encontrar cada vez mais amplamente formas ágeis de utilização da matriz psicanalítica. Assim, ela poderá estar presente em vários campos de difusão, a fim de que seus benefícios possam ser estendidos a camadas mais amplas da população. Mantida a especificidade da ciência psicanalítica, não há por que temer a psicanálise aplicada".

CONTARDO CALLIGARIS, psicanalista, colunista da Ilustrada e autor de "Hello Brasil" (ed. Escuta) e "A Adolescência" (Publifolha):
"Desafio mesmo, só vejo um: ela é impossível sem psicanalistas. O resto dá para arrumar, mas a falta de psicanalistas é sem retorno. Ora, contrariamente à Igreja Católica, a psicanálise não parece estar em falta de vocações. Ao contrário, as vocações abundam. Qual é o problema então? Pois aconteceu o seguinte: desde os anos 70 (na Europa), a psicanálise respondeu a uma certa escassez de clientes como qualquer empresa, ou seja, com uma superpromoção. Passou a oferecer, junto com a terapia, a promessa de uma formação -como se a Igreja em crise garantisse que, quem voltasse à missa, seria feito padre ou mesmo bispo. Com isso a psicanálise resolveu temporariamente sua crise. Mas complicou as curas. E comprometeu desesperadamente os processos de formação."

OCTAVIO SOUZA, psicanalista, autor de "Fantasia de Brasil" (ed. Escuta), entre outros:
"No quadro do diagnóstico de crise da psicanálise dentro da crise mais ampla da sociedade contemporânea, seu principal desafio é o de se dar conta de que a psicanálise não detém nenhuma ética exclusiva cuja observância salvará a condição humana da degradação final. As questões éticas que importam são sempre discutidas em conversas enunciadas em linguagem corrente, ao largo do apelo à pureza do conceito. Fora isso, existem os desafios cotidianos do tipo que todas as disciplinas comportam. O que mais me interessa é pensar a clínica a partir da pluralidade das orientações psicanalíticas. Lutar contra o refúgio nas ortodoxias e evitar que a consideração da perspectiva transdisciplinar se traduza em abandono da reflexão sobre o cuidado psicoterápico".


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