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Qual é o desafio futuro da psicanálise?
RENATO MEZAN, psicanalista,
autor de "Freud - Pensador da
Cultura" (Brasiliense), entre
outros. Está relançando neste
mês "Freud - A Conquista do
Proibido" (Ateliê Editorial):
"Os principais desafios para
a psicanálise são, a meu ver,
dois: manter o que foi conquistado nestes cem anos e ampliar
o raio da sua ação terapêutica e
crítica. Construiu-se um sólido
edifício de conhecimento sobre a alma humana e seus padecimentos e desenvolveram-se técnicas sofisticadas para intervir neles. É preciso agora
avançar na compreensão e no
tratamento das patologias
contemporâneas, como a depressão ou as perturbações
psicossomáticas, e jamais perder de vista o gume crítico da
psicanálise, seu olhar engajado
e distanciado sobre a ideologia, os costumes, as paixões
humanas. Por fim, abrir-se
com humildade, mas também
com serenidade, ao diálogo
com as disciplinas conexas
-psiquiatria, filosofia, ciências humanas em geral".
ALFREDO JERUSALINSKY, psicanalista, autor de "Psicanálise
e Desenvolvimento Infantil"
(Artes e Ofícios), entre outros:
"Três são as questões fundamentais. Demonstrar que entre a psicanálise e as recentes
descobertas neuromoleculares
não somente não há oposição,
mas confirmação das hipóteses que a psicanálise deduziu a
partir da clínica. Desdobrar
uma práxis interpretativa dos
impasses do discurso social
que abra novos caminhos de
reflexão e de pesquisa no campo da psicopatologia da sociedade. Sustentar esse pequeno,
mas único, grau de liberdade
que o sujeito pode almejar: o
engajamento singular na palavra diante da falácia de qualquer universal totalitário".
CATERINA KOLTAI, psicanalista,
autora de "Política e Psicanálise - O Estrangeiro" (Escuta),
entre outros livros:
"Acredito que a psicanálise,
apesar de assediada pelo movimento de racionalização técnico-científico que vem tomando conta de todos os campos
da atividade humana, resiste.
Por não ensinar o sentido da
vida, mas permitir que o sujeito, ao questionar sua história e
suas escolhas, encontre um
sentido para a própria vida, ela
permanece, a meu ver, uma
aventura possível. Já que é com
a oferta que se cria a demanda,
acredito que chegou a hora de
o analista lançar novas ofertas
-o que aliás já vem sendo feito-, democratizar a psicanálise e levar a escuta analítica até
instituições, prisões, desempregados etc. E quem sabe falar do prazer desse ofício".
JURANDIR FREIRE COSTA, psicanalista, colunista do Mais!, da
Folha, e autor de "Sem Fraude
Nem Favor", entre outros:
"O principal desafio da psicanálise é integrar a seu corpo
conceitual as novas concepções de sujeito, construídas a
partir do desenvolvimento das
neurociências, neurofisiologia
etc. Dito de outra forma, o
enigma consiste em pensar sobre a questão do "sentido" ou
do "significado" da vida mental, em seus aspectos cognitivos, afetivos e volitivos, sem
desconhecer as descrições fisicalistas das emoções, atos,
condutas, pensamentos etc.
Nada me parece tão empolgante, do ponto de vista clínico-teórico, quanto essa tarefa.
Manter viva a interrogação do
sujeito sobre seu destino humano, aceitando, ao mesmo
tempo, o aporte dos horizontes abertos pelas modernas investigações neurofisiológicas,
esse, penso, foi um dos grandes sonhos de Freud".
ADOLF GRÜNBAUM, filósofo
norte-americano, presidente
do Centro para Filosofia da
Ciência, da Universidade de
Pittsburgh (EUA):
"O desafio mais sério vem,
ao nível teórico, das dúvidas e
das evidências que a desmentem, relativas aos postulados
básicos da teoria freudiana da
psicopatologia, dos sonhos e
da dinâmica da terapia".
LEOPOLD NOSEK, psicanalista,
curador no Brasil de "Freud:
Conflito & Cultura"; co-autor
de "The Perverse Transference
& Other Matters" (ed. Aronson), entre outros:
"A psicanálise deverá procurar soluções em campos aparentemente contraditórios.
Por um lado, deverá manter
sua especificidade de prática,
teoria e pesquisa. Aí reside
também a sua potência terapêutica. Tratar de não ser seduzida por soluções psiquiátricas trazidas pelos recentes
progressos das neurociências,
incluindo o apelo a um projeto
de inspiração positivista e médica. Cabe também, disciplinadamente, não permitir que
ela se torne instrumento que
pretenda tudo abordar e tudo
explicar. Precaver-se do apelo
que soluções aparentemente
rápidas podem trazer. Por outro lado, deverá encontrar cada vez mais amplamente formas ágeis de utilização da matriz psicanalítica. Assim, ela
poderá estar presente em vários campos de difusão, a fim
de que seus benefícios possam
ser estendidos a camadas mais
amplas da população. Mantida
a especificidade da ciência psicanalítica, não há por que temer a psicanálise aplicada".
CONTARDO CALLIGARIS, psicanalista, colunista da Ilustrada
e autor de "Hello Brasil" (ed.
Escuta) e "A Adolescência"
(Publifolha):
"Desafio mesmo, só vejo um:
ela é impossível sem psicanalistas. O resto dá para arrumar,
mas a falta de psicanalistas é
sem retorno. Ora, contrariamente à Igreja Católica, a psicanálise não parece estar em
falta de vocações. Ao contrário, as vocações abundam.
Qual é o problema então? Pois
aconteceu o seguinte: desde os
anos 70 (na Europa), a psicanálise respondeu a uma certa
escassez de clientes como
qualquer empresa, ou seja,
com uma superpromoção.
Passou a oferecer, junto com a
terapia, a promessa de uma
formação -como se a Igreja
em crise garantisse que, quem
voltasse à missa, seria feito padre ou mesmo bispo. Com isso
a psicanálise resolveu temporariamente sua crise. Mas
complicou as curas. E comprometeu desesperadamente os
processos de formação."
OCTAVIO SOUZA, psicanalista,
autor de "Fantasia de Brasil"
(ed. Escuta), entre outros:
"No quadro do diagnóstico
de crise da psicanálise dentro
da crise mais ampla da sociedade contemporânea, seu
principal desafio é o de se dar
conta de que a psicanálise não
detém nenhuma ética exclusiva cuja observância salvará a
condição humana da degradação final. As questões éticas
que importam são sempre discutidas em conversas enunciadas em linguagem corrente, ao
largo do apelo à pureza do
conceito. Fora isso, existem os
desafios cotidianos do tipo que
todas as disciplinas comportam. O que mais me interessa é
pensar a clínica a partir da pluralidade das orientações psicanalíticas. Lutar contra o refúgio nas ortodoxias e evitar que
a consideração da perspectiva
transdisciplinar se traduza em
abandono da reflexão sobre o
cuidado psicoterápico".
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