São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 2003 |
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Macalé & outras bossas
PEDRO ALEXANDRE SANCHES DA REPORTAGEM LOCAL Se o aniversário de 60 anos é data para comemorar, a celebração de Jards Macalé está no novo disco "Ordem, Amor & Progresso", em forma de samba antigo, samba-canção e muita bossa nova. Parece estranho. Tido muitas vezes como uma figura de bastidor do tropicalismo, o carioca Macalé estreou carreira própria em 72, revelando-se principalmente como compositor. Nada tinha do atual intérprete de quase um século de música brasileira, em sambas de Noel Rosa, Ary Barroso, Baden Powell e Paulinho da Viola. Em 1972, seu parceiro principal era Waly Salomão (1943-2003), a quem o novo disco é dedicado. Com Waly, Macalé esteve na construção da infra-estrutura do histórico show "Fatal" (71), de Gal Costa. Foi diretor musical do crucial "Transa" (72), de Caetano Veloso. Antes disso e do período tropicalista, orientou musicalmente a iniciante Maria Bethânia. Pois em "Amor, Ordem & Progresso" não há canções de Waly, menos ainda referências explícitas à tropicália. A mais evidente citação, ainda assim indireta, está na capa do CD, em que Macalé veste um filó que evoca o da capa do disco de 72, que evocava por sua vez os parangolés de Hélio Oiticica (1937-1980), artista de cuja obra Caetano Veloso capturou o conceito e o termo "tropicália". Macalé fala sobre a ausência: "O tropicalismo mesmo já foi incorporado e devorado. Fui pré-tropicalista e pós-tropicalista, tropicalista mesmo eu nunca fui, exceto quando apresentei "Gotham City" (69) no Maracanãzinho". Diz que as duas pontas estão representadas no CD. Localiza o "pré" na releitura que faz de sua "Amo Tanto". Uma de suas primeiras canções publicadas, foi interpretada originalmente por Nara Leão, em 66. "Nessa época todos queríamos ser Vinicius de Moraes", aludindo a "Amei Tanto" (65), do poeta da bossa. O "pós" ele vê em sua própria "Meu Amor Me Agarra Geme & Treme & Chora & Mata", que resgatou do disco de 72. "É pós-tropicalista na construção da poesia, na idéia amorosa desvairada e louca", descreve. O poeta dali era Capinan, que lhe resgata mais memórias tropicais: "Quando mano Caetano me mostrou seu primeiro disco tropicalista, perguntou se eu havia gostado. Disse que não, mas gostei muito de "Clarice". Para mim essa canção vale o tropicalismo inteiro. Foi Capinan quem fez a letra". Tanta bossa nova De volta ao período "pré", Macalé afirma não saber por que o novo disco tem tanta bossa nova, que ele não costumou cantar ao longo dos oito álbuns anteriores. "Pertenço à bossa nova, assim como minha música soa trip hop quando canto com o Vulgue Tostoi", afirma, referindo-se ao recente encontro com a dupla eletrônica carioca. "Nada disso foi intencional. Bossa é samba, não deixa de ser samba", batuca. Não à toa, é um sambista -Moacyr Luz- quem conduz o projeto independente do disco. Foi também quem convenceu Macalé a regravar o "Samba da Pergunta" (63), celebrizado pela versão de João Gilberto, de codinome "Astronauta" (71). É a João Gilberto que Macalé atribui, em parte, o ânimo revigorado para voltar a gravar (e para encetar, a partir do título do CD, uma campanha pela reintrodução do termo "amor" ao lema positivista da bandeira nacional). "Foi meu mestre quem falou. Conversando com João, ele me disse: "Macalas, faça as coisas". Seu pedido é uma ordem", decreta, citando sem querer outro termo do lema positivista. A adesão irônica ao lema advogado no século 19 pelo filósofo francês Augusto Comte está explicada no samba "Positivismo", como Noel Rosa (1910-1937) o desejou em 1933, lamentando a perda do amor. Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Crítica: Cantor chora a canção esfarelada Índice |
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