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São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 2003

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CRÍTICA

Cantor chora a canção esfarelada

DA REPORTAGEM LOCAL

Jards Macalé parece já há muito querer avisar: a canção está se dissolvendo. Faz isso cantando com voz pastosa, de anti-intérprete. Em "Amor, Ordem & Progresso", ela está mais pastosa que nunca. A canção está mais liquefeita que nunca.
Mas ele ama a canção, mesmo que a seu modo irreverente e iconoclasta. Por outra razão não escolheria derreter Noel Rosa, Baden Powell, João Gilberto, Paulinho da Viola e... Macalé.
"Roendo as Unhas", de Paulinho da Viola, e "Samba da Pergunta", de Pingarilho e Marcos Vasconcellos, resultam esfareladas, pós-pós-samba e pós-pós-bossa nova. Só quem não pertenceu à bossa sabe desrespeitá-la com respeito. Só quem não é sambista pode profanar o samba com paixão.
O afro-samba "Consolação", por sua ótica, chega a lembrar faroeste norte-americano praticado no violão por Macalé, no baixo por Arismar do Espírito Santo, no violão eletroacústico por Victor Biglione e na percussão por Robertinho Silva.
É esse o formato econômico que domina o CD, e como o próprio Macalé expõe a nova "Consolação" está mais para "Transa" do que para bossa nova.
Acontece ali o mesmo que na belíssima revisão da pós-tropicalista e autoral "Meu Amor Me Agarra & Geme & Treme & Chora & Mata". O "pré" e o "pós" se unificam na ausência: o tropicalismo ainda clama por Macalé, Macalé liquefaz também a ruptura com o tropicalismo.
Deve ser por isso que, em meio a tanta (des)ordem e tanta (falta de) progresso, o Macalé de 60 só faz gemer & tremer & chorar & querer matar a ausência de amor.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Amor, Ordem & Progresso   
Artista: Jards Macalé
Lançamento: Lua Discos/MCD
Quanto: R$ 28, em média



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