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CRÍTICA
Cantor chora a canção esfarelada
DA REPORTAGEM LOCAL
Jards Macalé parece já há
muito querer avisar: a
canção está se dissolvendo.
Faz isso cantando com voz
pastosa, de anti-intérprete.
Em "Amor, Ordem & Progresso", ela está mais pastosa que nunca. A canção está
mais liquefeita que nunca.
Mas ele ama a canção,
mesmo que a seu modo irreverente e iconoclasta. Por
outra razão não escolheria
derreter Noel Rosa, Baden
Powell, João Gilberto, Paulinho da Viola e... Macalé.
"Roendo as Unhas", de
Paulinho da Viola, e "Samba
da Pergunta", de Pingarilho
e Marcos Vasconcellos, resultam esfareladas, pós-pós-samba e pós-pós-bossa nova. Só quem não pertenceu à
bossa sabe desrespeitá-la
com respeito. Só quem não é
sambista pode profanar o
samba com paixão.
O afro-samba "Consolação", por sua ótica, chega a
lembrar faroeste norte-americano praticado no violão
por Macalé, no baixo por
Arismar do Espírito Santo,
no violão eletroacústico por
Victor Biglione e na percussão por Robertinho Silva.
É esse o formato econômico que domina o CD, e como
o próprio Macalé expõe a
nova "Consolação" está
mais para "Transa" do que
para bossa nova.
Acontece ali o mesmo que
na belíssima revisão da pós-tropicalista e autoral "Meu
Amor Me Agarra & Geme &
Treme & Chora & Mata". O
"pré" e o "pós" se unificam
na ausência: o tropicalismo
ainda clama por Macalé,
Macalé liquefaz também a
ruptura com o tropicalismo.
Deve ser por isso que, em
meio a tanta (des)ordem e
tanta (falta de) progresso, o
Macalé de 60 só faz gemer &
tremer & chorar & querer
matar a ausência de amor.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Amor, Ordem & Progresso
Artista: Jards Macalé
Lançamento: Lua Discos/MCD
Quanto: R$ 28, em média
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