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São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 2003

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MÚSICA

Trechos do livro "Confessions of a Yakuza" foram identificados em canção assinada pelo cantor norte-americano

Bob Dylan pode ter copiado escritor japonês

Michael Dwyer - 3.ago.2002/Associated Press
Bob Dylan, que teve identificados em uma canção trechos de livro


JON PARELES
DO "NEW YORK TIMES"

Um fã atento de Bob Dylan estava lendo "Confessions of a Yakuza", do dr. Junichi Saga, quando encontrou algumas frases familiares. Havia uma dúzia de sentenças semelhantes a versos de canções de "Love and Theft", disco lançado por Dylan em 2001, particularmente na música "Floater (Too Much to Ask)".
No livro, um pai é descrito como se fosse "semelhante a um senhor feudal", frase que Dylan emprega. Um personagem do livro diz "não sou tão admirável ou propenso a perdoar quanto pareço". Dylan repete a sentença em um verso quase literalmente. O compositor não foi localizado para comentar, disse uma porta-voz da Columbia Records, se havia se inspirado no livro.
O "Wall Street Journal" publicou na última terça uma reportagem sobre o possível plágio. Depois de recentes escândalos envolvendo historiadores ou jornalistas que usaram material alheio sem mencionar a fonte, será que o grande compositor terminará exposto como só mais um plagiário?
Não exatamente. Dylan não afirmou estar oferecendo pesquisas originais sobre a cultura da yakuza, a máfia japonesa. E nem musicou trechos extensos do livro. Os 16 versos de "Floater" incluem muito material que não vem de "Confessions of a Yakuza", ainda que o subtítulo da canção e seu verso final ("lágrimas ou não, isso é pedir demais") ecoem diretamente o livro. Mas Dylan não estava cantando música alheia como se fosse sua.
Estava simplesmente fazendo o que sempre fez: escrevendo canções que são colagens de informações. Alusões, memórias e pepitas da tradição sempre foram parte da música de Dylan, costurada como colchas de retalhos.
Toda a confusão que gira em torno de "Love and Theft" e "Confessions of a Yakuza" é sintoma da crescente falta de compreensão quanto à propriedade e evolução da cultura, um equívoco que vem se agravando à medida que a tradição oral humana migra para a internet. As idéias não existem para que sejam gravadas em pedra, invioladas; seu objetivo é estimular a próxima idéia. Porque a informação é hoje copiada e transmitida mais rápido que nunca, o pânico se instalou entre as corporações e alguns artistas, que temem que não conseguirão obter lucros vendendo essa informação (música, filmes, software).
Como virtualmente todos os artistas, Dylan leva adiante uma constante conversa com o passado. Está reagindo a tudo que a cultura e a história oferecem, em lugar de pretender que não existem. O processo é resumido elegantemente no título do disco de Dylan. "Love and Theft" (Amor e Roubo), aliás uma citação do livro de Eric Lott sobre os menestréis.
Dylan aparentemente fez um "sampling" (a técnica empregada no hip hop de adaptar um trecho musical já conhecido) de "Confessions of a Yakuza", misturando linhas do livro com histórias fragmentadas de amor e mortalidade. O resultado, como colagens sampleadas, é um trabalho novo que não afeta em nada a obra existente e só atrai atenção para ela.
O dr. Saga não quer manter seu livro isolado. Disse à agência de notícias Associated Press que estava feliz por ter inspirado um compositor tão famoso. E quando surgiram as notícias da conexão com Dylan, as vendas do livro dispararam. Estava em 117º lugar entre os mais vendidos na Amazon, e em oitavo entre as biografias.
O dr. Saga não poderia se sentir muito possessivo quanto ao livro, que é uma história oral que lhe foi narrada pelo bandido do título. Mais uma história que entrou para a tradição oral humana. As letras completas de Bob Dylan estão abertas a todos os interessados em www.bobdylan.com. Quanto à canção, se alguém pedisse a Dylan autorização para sampleá-la, ele faria bem em concedê-la.

Tradução Paulo Migliacci


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