|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Rio Preto assume riscos de quebrar novas barreiras
Sexta edição do festival abandona o agradável e destaca núcleos de resistência aos lançamentos comerciais
"A Parte Doente" aposta
em pesquisa estética para
falar de exclusão social, e
"Matéria Material" trabalha
com não-atores em cena
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Só os que se arriscam a ir longe demais são capazes de descobrir o quão longe se pode ir,
declarava T.S. Elliot. Na sua
sexta edição, o FIT (Festival Internacional de São José do Rio
Preto), que vai até o dia 23, já
conquistou prestígio e maturidade suficientes para encarar
muitos riscos. Desdenhando
ser uma vitrine de lançamentos
comerciais, enfoca resolutamente "a arte de explorar condições favoráveis para uma nova construção".
É como um festival de gastronomia que se propusesse repensar a panela. Para isso, a curadoria deve ter um faro não
para o sucesso, mas para o relevante, escolhendo-o tanto entre os consagrados internacionais quanto entre os que vêm
sendo acompanhados pelo próprio FIT, conquistando assim
uma visibilidade para seus focos de resistência.
É o caso da Cia. Carona de
Teatro de Blumenau, que em
2002 marcava presença com
"Os Camaradas", uma peça
pungente e essencial que apontava os méritos da companhia.
Em "A Parte Doente", o diretor
Pépe Sedrez segue dissecando a
exclusão social sem menosprezar a pesquisa estética. No palco, focos de luz delimitam como em campos cirúrgicos três
solitários em crise. À esquerda,
Fábio Hostert faz um jovem
professor universitário que revê sua definição sexual; ao centro, James Beck é um cirurgião
com fixação mística pela pureza; à direita, Paula Braun é uma
prostituta hipocondríaca.
Colisão de universos
Cada universo é metodicamente definido: por cores (bege, branco, azul), adereços
(uma cadeira sintetiza cada estilo) e ações (travestir, barbear,
maquiar), e os monólogos sucessivos vão se tornando diálogos à medida que os universos
se colidem. Na Cia. Carona de
Teatro, os atores assinam também trilha, maquiagem e cenografia, e o texto do dramaturgo
e psiquiatra Gregory Branco
Haertel, que tem momentos de
boa densidade poética, parece
feito sob medida para eles.
No entanto, o resultado acaba ficando aquém do desafio
proposto. Enquanto Hostert
tem uma atuação vigorosa e delicada e Beck cumpre bem sua
função, Braun nem sempre evita a caricatura. A dimensão alegórica perseguida no texto se
atarda desnecessariamente em
emotividades que a direção
preenche com efeitos de cena.
Para evitar as tentações do
pathos, a companhia peruana
Lot Teatro tem uma receita radical. Trabalha preferencialmente com não-atores, instruídos a não representar, em um
desconforto de jogo de futebol
sem bola, segundo a metáfora
do próprio diretor Carlos Cueva. Recusando hamletianamente o discurso ideológico
pré-moldado, da ilusão publicitária e mercantilista, o grupo
produz espetáculos ásperos,
geralmente em espaços abandonados.
"Matéria Material", assim, é
quase uma performance. No
antigo graneleiro da Swift, de linhas arrojadas e desoladoras,
Lucia Desulovich, Diego Castro
e Rafael Mendieta, jovens atores com precisão e visceralidade, cumprem ações simples e
deslocadas do cotidiano.
Não é um espetáculo que visa
o agradável, e o público médio
que o abandona antes do fim,
irritado, pode opinar que estes
criadores foram longe demais.
É o FIT cumprindo o que promete.
A PARTE DOENTE
MATÉRIA MATERIAL
Texto Anterior: "Noiva-Cadáver" ressuscita no Brasil Próximo Texto: Entrevista: "Sem Frescura" entrevista Bortolotto Índice
|