São Paulo, terça-feira, 18 de julho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Rio Preto assume riscos de quebrar novas barreiras

Sexta edição do festival abandona o agradável e destaca núcleos de resistência aos lançamentos comerciais

"A Parte Doente" aposta em pesquisa estética para falar de exclusão social, e "Matéria Material" trabalha com não-atores em cena


SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Só os que se arriscam a ir longe demais são capazes de descobrir o quão longe se pode ir, declarava T.S. Elliot. Na sua sexta edição, o FIT (Festival Internacional de São José do Rio Preto), que vai até o dia 23, já conquistou prestígio e maturidade suficientes para encarar muitos riscos. Desdenhando ser uma vitrine de lançamentos comerciais, enfoca resolutamente "a arte de explorar condições favoráveis para uma nova construção".
É como um festival de gastronomia que se propusesse repensar a panela. Para isso, a curadoria deve ter um faro não para o sucesso, mas para o relevante, escolhendo-o tanto entre os consagrados internacionais quanto entre os que vêm sendo acompanhados pelo próprio FIT, conquistando assim uma visibilidade para seus focos de resistência.
É o caso da Cia. Carona de Teatro de Blumenau, que em 2002 marcava presença com "Os Camaradas", uma peça pungente e essencial que apontava os méritos da companhia.
Em "A Parte Doente", o diretor Pépe Sedrez segue dissecando a exclusão social sem menosprezar a pesquisa estética. No palco, focos de luz delimitam como em campos cirúrgicos três solitários em crise. À esquerda, Fábio Hostert faz um jovem professor universitário que revê sua definição sexual; ao centro, James Beck é um cirurgião com fixação mística pela pureza; à direita, Paula Braun é uma prostituta hipocondríaca.

Colisão de universos
Cada universo é metodicamente definido: por cores (bege, branco, azul), adereços (uma cadeira sintetiza cada estilo) e ações (travestir, barbear, maquiar), e os monólogos sucessivos vão se tornando diálogos à medida que os universos se colidem. Na Cia. Carona de Teatro, os atores assinam também trilha, maquiagem e cenografia, e o texto do dramaturgo e psiquiatra Gregory Branco Haertel, que tem momentos de boa densidade poética, parece feito sob medida para eles.
No entanto, o resultado acaba ficando aquém do desafio proposto. Enquanto Hostert tem uma atuação vigorosa e delicada e Beck cumpre bem sua função, Braun nem sempre evita a caricatura. A dimensão alegórica perseguida no texto se atarda desnecessariamente em emotividades que a direção preenche com efeitos de cena.
Para evitar as tentações do pathos, a companhia peruana Lot Teatro tem uma receita radical. Trabalha preferencialmente com não-atores, instruídos a não representar, em um desconforto de jogo de futebol sem bola, segundo a metáfora do próprio diretor Carlos Cueva. Recusando hamletianamente o discurso ideológico pré-moldado, da ilusão publicitária e mercantilista, o grupo produz espetáculos ásperos, geralmente em espaços abandonados.
"Matéria Material", assim, é quase uma performance. No antigo graneleiro da Swift, de linhas arrojadas e desoladoras, Lucia Desulovich, Diego Castro e Rafael Mendieta, jovens atores com precisão e visceralidade, cumprem ações simples e deslocadas do cotidiano.
Não é um espetáculo que visa o agradável, e o público médio que o abandona antes do fim, irritado, pode opinar que estes criadores foram longe demais. É o FIT cumprindo o que promete.


A PARTE DOENTE
   

MATÉRIA MATERIAL
   


Texto Anterior: "Noiva-Cadáver" ressuscita no Brasil
Próximo Texto: Entrevista: "Sem Frescura" entrevista Bortolotto
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.