São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 2008

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Com versos, Dori embala enterro de Caymmi

Cerca de 300 pessoas foram à cerimônia, realizada ontem, no Rio

Filho declamou trecho do clássico "João Valentão'; compositor foi sepultado próximo ao mausoléu onde está Carmen Miranda

DA SUCURSAL DO RIO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, NO RIO

Acompanhado por quase 300 colegas da música, parentes e fãs, o corpo do compositor Dorival Caymmi foi enterrado ontem à tarde no cemitério São João Batista, no Rio, embalado pelos últimos versos do clássico "João Valentão", declamados pelo filho Dori.
Junto da sepultura, com o vozeirão que lembra o do pai, Dori recitou: "E assim adormece esse homem/ Que nunca precisa dormir pra sonhar/ Porque não há sonho mais lindo do que sua terra, não há".
"Essa frase que meu pai escreveu está colada em mim desde que nasci", disse ele, sob aplausos dos irmãos, Nana e Danilo, da tia Dinahir (irmã de Dorival) e de compositores como Marcos Valle, Ronaldo Bastos, Paulo Jobim, Fagner, Jorge Mautner e Rildo Hora.
Caymmi morreu anteontem no apartamento em que vivia, em Copacabana, aos 94 anos, vítima de insuficiência renal e falência múltipla dos órgãos. A viúva, Stella Caymmi, 86, está em coma há 11 dias.
O corpo do artista foi velado da tarde de sábado à tarde de domingo na Câmara dos Vereadores do Rio, por onde passaram cerca de 700 pessoas, incluindo Caetano Veloso e Daniela Mercury. O caixão foi levado num carro do Corpo de Bombeiros até o cemitério, e foi enterrado próximo ao mausoléu de Carmen Miranda.
Lá estiveram, entre outros, o escritor João Ubaldo Ribeiro e o ex-ministro da Cultura Gilberto Gil. Ubaldo definiu o compositor como "um dos heróis reais" do país. "Ele tinha que ir, como todos nós temos que ir embora algum dia. Mas é um pedaço do Brasil, da identidade brasileira, do passado cultural desse país."

"O mais baiano"
Ex-genro de Caymmi -foi marido de Nana nos anos 60- e autor da canção-homenagem "Buda Nagô", Gil disse considerá-lo "o mais baiano de todos os que já conheci na vida".
"Morou praticamente a vida toda no Rio, mas mantendo sempre um amor muito grande, manifesto, pela Bahia. Nem precisava, porque a obra dele toda é quase que completamente dedicada ao modo baiano, à qualidade e à paisagem baianas, ao coração baiano. (...) É uma obra que vai permanecer enquanto houver Brasil. Enquanto se falar dessa nação, enquanto formos o que somos no mundo, Caymmi é parte disso."
Para Jorge Mautner, Caymmi é "a graça divina". "É a beleza da mensagem, sempre a celebração da vida, a busca da felicidade. Cada música dele vale milhares de músicas."
O cantor Pery Ribeiro -filho de Herivelto Martins e Dalva de Oliveira, contemporâneos de Caymmi- foi um dos primeiros a chegar ao cemitério. "Dorival era quase parente nosso. O primeiro presente que minha mãe ganhou quando nasci foi dado por ele, que vivia lá em casa. Meu pai usava chapéu de pescador em sua homenagem."
O letrista Ronaldo Bastos conheceu Caymmi por meio dos parceiros Paulo Jobim, filho de Tom Jobim, e Danilo Caymmi. "Uma das casas que eram nosso playground era a casa do Dorival. Ele é meu mestre. Meu único objetivo fazendo música é chegar àquele grau de simplicidade, concisão, musicalidade."
Amigo dos filhos de Caymmi, Fagner lembrou a ocasião em que se conheceram: "Foi no hall de um hotel na Bahia, os dois fazendo check-in. Ele mandou fazer o meu primeiro, porque eu era visitante, e ainda me pediu um autógrafo. Era de uma leveza muito bonita."
João Bosco repetiu um conselho de Caymmi. "Eu o procurei em casa e fiquei tocando violão para ele. Quando acabei, ele disse: "João, você devia comprar só uma capa de chuva e sair por aí". Numa frase só ele disse o que era importante na vida: a música e a capa de chuva, para não pegar resfriado."
No velório, o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), disse que "ninguém soube como Caymmi cantar a Bahia". Para o governador do Rio, Sérgio Cabral Filho (PMDB), ele "não era um contestador", mas colocava "a arte dele à disposição da democracia", em referência ao show realizado em 1980 no Riocentro, em homenagem à volta dos anistiados. "Lembro-me da comoção que causou cantando para aquela multidão." (ITALO NOGUEIRA, SERGIO TORRES E FABIANE ROQUE)


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