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RELÂMPAGOS
Mouro
JOÃO GILBERTO NOLL
Tomou de si um afago tímido, tremulante até, e o suspendeu no alto, enquanto
pensava quem poderia receber o que já se desfazia no ar,
sob a marquise descascada da
esquina. Perto, uma ambulância com a porta traseira
aberta, à espera sabe-se lá de
quem. Olhou, sem muito fixar, a maca lá dentro. O cobertor dobrado. E continuou,
porque não seria ele a parar
naquele ponto, espiando a exposição da vaga para uma dor
alheia -ou não, pois aquela
ambulância poderia estar em
perfeito descanso, aberta assim só para arejar. Era um dia
quente, disso tinha certeza, e
mais certeza teria se cumprisse até o fim o que estava a fazer naquele instante: entrava
no quarto, ligava o ventilador,
despia-se, deitava, morria para o mundo como um mouro
que desfalece em sua tenda
no deserto, enfim...
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