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São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 2003

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BEAT DESACELERADO

Músicos encontram as causas da queda de qualidade na popularização e na repetição de fórmulas

Para DJs, crise é o preço da massificação

DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de anos de inovação, renovação e reinvenção, a música eletrônica passa por um processo de estagnação criativa?
Para responder a essa pergunta, a Folha ouviu DJs, produtores e promotores de eventos brasileiros e estrangeiros. Em maior ou menor medida, todos louvam o crescimento da cena eletrônica, mas notam que o preço pago pela massificação dos diferentes gêneros eletrônicos foi acompanhado por um processo de diluição e de repetição de fórmulas.
"Quando um estilo é definido ele pode ser considerado uma forma de arte morta", diz o produtor Uwe Schmidt, conhecido pelo seu projeto Señor Coconut. "Com a música eletrônica se tornando mainstream há uns dois anos no mundo, e há quase uma década na Europa, acho que essa regra pode ser aplicada. Penso que existe falta de criatividade porque, se você se atém ao termo "eletrônica", não há nada mais a explorar."
Para outro produtor da vanguarda da música eletrônica, o japonês DJ Krush, há poucas coisas interessantes para ouvir hoje, porque os produtores "se tornaram dependentes do equipamento que usam, e o resultado leva a uma música em que faltam idéias, criatividade e originalidade".
O guitarrista do Ira!, Edgard Scandurra, que acaba de lançar um disco de eletrônica sob o cognome Benzina, aponta, entretanto, que a falta de criatividade não é exclusiva da música eletrônica. "A eletrônica entra nessa crise quando passa a ser feita para agradar. O mesmo acontece no rock, na MPB. Quando a música é apropriada pelas grandes gravadoras, é difícil fazer coisa diferente."
Na mesma linha, o DJ Marcelinho da Lua, do Bossacucanova, diz que o que está pobre na música atual são os arranjos, eletrônicos ou não, que estão "escravizados pelo "copy-paste" [comando de copiar e colar no computador] das plataformas digitais".
Outro fator que colabora para essa massificação é o acesso fácil a programas de computador e equipamentos de música eletrônica. Como diz a cantora Laura Finocchiaro, "quem tiver um dinheirinho compra um programa, aprende a mexer matematicamente com loops e beats e vira produtor. Mas, sem estudar música, as produções acabam pobres, baseadas em fórmulas".
Para o DJ Renato Cohen, essa facilidade mina a qualidade da música. "Muitas pessoas só fazem música porque é fácil, é só apertar alguns botões no computador do escritório e não fica tão ruim. É o mesmo que falar algo só porque colocaram um microfone na sua mão. Mas o que você tem a dizer?"
Esse reflexo da produção é sentido também por DJs. Anderson Noise, que, além de tocar, tem um selo, diz que, de cem discos que recebe, "só um dá para tocar".

Mercado e superexposição
É impossível dissociar esse esvaziamento criativo da questão do crescimento da exposição cada vez maior da música eletrônica, fenômeno vivido no Brasil agora.
Uma medida para esse crescimento é a evolução do festival Skol Beats, que, em 1999, reuniu 18 mil pessoas em São Paulo e, no ano passado, foi visto por 43.800. O diretor artístico do festival, Luiz Eurico Klotz, não vê nesse crescimento um fenômeno de diluição. "A cena cresce de uma maneira geral, em festas e eventos, e há produções pipocando em tudo quanto é lugar. Consequentemente, o nível de produção ruim também cresce, mas, da mesma forma, crescem as produções boas. Mas não acho que a proporção de coisas ruins aumentou."
Para Marcos Boffa, organizador do festival Hype, a superexposição existe, mas não é negativa. "A cultura do DJ sofre uma superexposição, sobretudo, devido à sua utilização como um elemento de comunicação para empresas ou produtos que buscam agregar valor de modernidade a suas marcas. Mas artistas preocupados com a experimentação são pouco afetados por esse fenômeno."
Se a música eletrônica está mesmo massificada, quais são as formas de fugir do clichê e de onde surgirão os novos caminhos?
Para o produtor Mad Zoo, "para escapar de regras ideológicas que envelhecem, é preciso criatividade para unir ainda mais o acústico de boa qualidade aos computadores e sintetizadores". Já Klotz diz que a saída é o underground e a música produzida em países como os do Leste Europeu e da América do Sul. O underground também é a saída apontada pela diretora de comunicação da AME (Associação Amigos da Música Eletrônica), Cláudia Assef.
Mas o que dizem os produtores? O cáustico Aphex Twin é taxativo: "Não lance nada se não for absolutamente brilhante". Já Christian Fennezs manda um velho recado: "Não acredite no hype".
(GUILHERME WERNECK)


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