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São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 2003

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ANÁLISE

A fórmula ficou fácil

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE OPINIÃO

A diluição está no DNA da indústria cultural. Embora a incrível expansão da cultura de mercado não tenha eliminado os picos da inventividade, ela também não deixou de descer aos vales da redundância e do comercialismo descarado. Nada de novo, portanto, que na música de consumo o processo de formatação, estilização e diluição de um novo gênero seja tão veloz quanto a percepção da indústria a respeito de suas chances mercadológicas.
A propagação da música eletrônica não fugiria à regra. Tudo, repentinamente, tornou-se "eletrônico". Os mais variados gêneros musicais, canções de todas as épocas, nada escapa à onda. Por aqui, a coisa vai de "Cravo e Canela", de Milton Nascimento, já devidamente remixada, a quem sabe, proximamente, o "Ébrio", na voz de Vicente Celestino.
Vários caminhos, nesses tempos de internet e "blogalização", uniram a música brasileira à eletrônica -dos artistas, DJs e produtores locais a seus pares mundo afora, sem falar na legião de "exilados", como o pioneiro Carlinhos Slinger, que fez a coisa por lá, ou o bom gringo Suba, que, em sentido inverso, fez por cá.
Muito da variedade rítmica brasileira esteve presente nisso tudo, do samba 40 graus que ganhou as pistas internacionais ao maracatu de Chico Science, chegando mais recentemente a Patife, Marky, Dolores etc. A bossa nova teve um papel curioso nesse remix internacionalizado. Parece ter acontecido com certa naturalidade seu encontro com as batidas eletrônicas, do drum&bass às variantes tipo "lounge".
Apesar da artificialidade de algumas remixagens recentes (mesmo que isso pareça uma redundância), a bossa nova iniciou seu contato com a música eletrônica não como um gênero pronto a ser "escaneado", mas também como influência. Mesmo na Inglaterra, um desses lugares em que a música brasileira mal chega à superfície, ela não deixou de ter tocado e de ter sido tocada nos círculos de produtores, músicos e compositores. Há bastante bossa nova no bolo da música inglesa dos anos 80. E não é casual a gravação de "Corcovado" pelo Everything But the Girl, no CD "Red Hot in Rio".
A bossa nova está no mundo há bastante tempo para chegar aonde for na bagagem de quem for. E boa parte dela chegou aos DJs pelo "easy listening" e por sua estilização mais americanizada, de Sérgio Mendes a Astrud Gilberto, passando pelo cult Wanderley.
Esse casamento "drum&bossa", que teve lá seus bons momentos, acabou tornando-se um dos caminhos favoritos da diluição eletrônica no Brasil. Ficou muito fácil. E virou fórmula.


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