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FERNANDO BONASSI
Os verdadeiros culpados
São os mordomos os primitivos causadores e mantenedores de nossa desigualdade social!
CONSIDERANDO QUE a humildade com que se apresentam
não condiz com a intimidade
dos luxos que compartilham;
Que organizam recepções únicas
para exclusivos, confeitam bolos
que não são repartidos, temperam
petiscos oferecidos a uns poucos e
supervisionam as vacas loucas e os
burros de carga para a orgia, higiene
e segurança dos churrascos dos carrascos;
Que se dedicam a manter arrumadas as camas e limpas as consciências acabrunhadas dos rentistas brasileiros desde cedo, acobertando as
bruxas dos "castelos quatrocentões"
com balelas de telenovelas, descrevendo as intenções de princesas
boazinhas, governantes de reinos
encantados com milhões de súditos
otários e que conhecem muito bem
os seus lugares lá embaixo;
Que são os melhores exemplos
dessas histórias coloniais da carochinha;
Que curam com canjinhas da vovó
e receitas de bolos jesuítas as ressacas dos rapazes violentos e as cachorradas das madames parasitas;
Que tratam como especiais os
maiores arrivistas, pesarosos ou indiferentes a isso que se passa;
Que se impõem um serviço disciplinar, aconselhando aos meninos
serem muito homens e às meninas,
boas mulheres para casar, e entre
uma coisa e outra, bons filhos e filhas das mães;
Que defendem a tradição das causas da família alheia contra a sua
própria (que em geral nem tem casa,
é um bando de feios, sujos e miseráveis que não têm boas maneiras
mesmo);
Que estão mesmo, de todo modo,
à disposição daqueles que nos indispõem, já que são os provedores dos
mimos dessa gente indolente, mas
inteligente o suficiente para fazer
com que todos nós trabalhemos por
eles;
Que dão forma e paladar aos arranjos e floreios que são feitos por
cima e por baixo dos panos dessas
mesas de jantar, onde os danos que
os maganos vão causar, não haverão
de ressarcir aos coitados mais mundanos;
Que são esses seus cuidados sofisticados os que poupam o sofrimento
necessário ao amadurecimento dessa elite deitada eternamente nos
berços esplêndidos das capitanias
hereditárias;
Que sabem mais do que costumam dizer, são os primeiros a esconder o que pode comprometer
dos terceiros e cumprem muito
além do combinado em seus contratos formais, sem horário determinado e compensações salariais, numa
eterna vida de trabalho que agride as
mais árduas conquistas sindicais;
Que o fato de jamais terem chance
de viajar com o conforto régio dos
patrões não os inibe de preparar as
malas suspeitas com que os eleitos
das novas gerações varejam de tédio
nos paraísos turísticos e fiscais civilizados;
Que engolem os pães amassados
pelos diabos nos fundos dos palácios
e ainda defendem seus uniformes
alugados como se fossem as camisas
de linho dos senhores, que engomam com carinho e com esmero de
escravos;
Que o toque de classe que vendem
para esses desclassificados das casas
grandes evita aos pendores dos impostores os odores subterrâneos das
senzalas... E que, sem sentirem o
cheiro dos cadáveres que consomem em seus consomês, jamais
aprenderão o custo dos pratos suados, mas prontos, que lhes servem
para comer;
E que, apesar de tudo, quando são
aposentados por invalidez, ainda se
prestam à neurose, petulância, carolice, aridez, inocência ou avidez de
seus proprietários, aumentando a
sua mais valia com filmes documentários, teses de mestrado, livros de
auto-ajuda a quatro cores de multinacionais e reportagens bobocas em
revistas semanais de fofocas;
Que, em suma, são a fossilização
da memória conservadora, os grandes fomentadores do hereditarismo
cartorial; do beletrismo atávico, do
legislativismo protecionista e ademais dos engenhos monarquistas da
casta liberal, advocatícia e burocrático-militarista que são as classes dirigentes nacionais;
Considerando, enfim, a sucessão
de eventos imorais previamente arrolados e devidamente comprováveis nos autos de nossa história, vimos por meio desta comunicar que
são os mordomos os primitivos causadores e prediletos mantenedores
de nossa desigualdade social!
Instaure-se o incompetente processo penal!
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