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ENTREVISTA
FRED ZERO QUATRO
Hoje o mangue beat não passaria de duas comunidades no Orkut
Vocalista da banda Mundo Livre S/A fala sobre o movimento musical surgido em Pernambuco no início dos anos 1990
Um dos principais artífices do mangue beat ao lado de Chico Science (1966-1997), Fred Zero
Quatro afirma que o movimento surgido no Recife no início dos anos 1990 ajudou a romper
com o conservadorismo e com o tradicionalismo. Hoje com
47 anos e dividindo o papel de vocalista do Mundo Livre S/A
(que completa 25 anos de vida) com um cargo de assessor técnico da Secretaria da Cultura do Recife, Fred critica as mudanças ocorridas na música com a chegada da internet.
THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL
FOLHA - Quando sai novo disco do
Mundo Livre?
FRED ZERO QUATRO - Já temos 15
ou 16 músicas para o álbum,
que vai chamar "Durar É Viver". O disco celebra os 25 anos
da banda. Já fizemos um show
com vários convidados no festival de Garanhuns, talvez lançaremos um DVD. Há selos argentinos, portugueses e americanos querendo licenciar o disco, mas ainda estamos aguardado sair um edital para bancarmos a finalização do disco.
FOLHA - É necessário buscar esse tipo de apoio para lançar discos?
FRED - É um reflexo da desconstrução do circuito da música que estamos vivendo. Os medalhões estão recorrendo a leis
de incentivo para turnês, para
gravar CDs, DVDs. Antes eram
leias apropriadas ao perfil dos
alternativos. E agora como ficam os alternativos? O guarda-chuva vai abrigar todo mundo?
Tenho trombado com um monte de gente que simplesmente
não tem como lançar disco,
porque as gravadoras não querem gastar dinheiro.
Folha - Como você encara as mudanças ocorridas no mercado da
música com a internet?
FRED - Tenho participado de
debates sobre cultura e percebo
que, a despeito de toda a questão do acesso democrático e da
maior visibilidade que chegaram com a internet, um fato
inegável é que a web tem desestruturado quase todas as cadeias que se envolvem com a digitalização, do jornalismo à
música. Hoje é moda celebrar a
web, dizendo que finalmente
nos livramos dos malas da indústria fonográfica. Tudo bem,
a indústria até tinha um aspecto predatório, mas uma coisa é
você defender a ausência da indústria, a ausência da cadeia
produtiva. Se o mangue beat tivesse surgido num ambiente
parecido com o que rola hoje,
com gravadoras em crise, talvez
o mangue beat tivesse se limitado a uma ou duas comunidades
de Orkut, uma coisa de gueto.
[No início dos anos 90] A
Sony foi a Recife, contratou o
Chico Science e bancou o primeiro clipe da banda, que rodou direto na MTV. Finalmente a indústria olhava para nós. E
teve um efeito multiplicador
forte. As pessoas esquecem isso. Hoje há uma situação sem
indústria, sem cadeia produtiva. Está se instalando uma religião da tecnologia, um fundamentalismo tecnológico. Fala-se muito em economia sustentável, mas na cultura não existe
consumo sustentável.
Folha - Há uma alternativa?
FRED - Estamos todos aguardando que surja um novo modelo de negócio baseado na web
2.0. Mas ele não surge.
FOLHA - O Mundo Livre existe desde 1984. Como era a banda antes do
estouro do mangue beat?
FRED - Passamos quase dez
anos como banda de garagem,
eu fazia faculdade na época.
Nem conhecíamos Chico, Jorge [Du Peixe; Nação Zumbi].
Nesse período surgiu o som da
banda. Boa parte do repertório
do "Samba Esquema Noise" [o
primeiro disco] foi composta
nos anos 80, entre 1984 e 1992.
Quando fomos contratados pelo [selo] Banguela, tínhamos
material para um disco triplo.
FOLHA - O que o mangue beat
trouxe de inovador?
FRED - O vínculo com o conceito de diversidade. Não era um
mero movimento musical porque não havia um formato padronizado de música. Tinha
uma postura de celebrar a diversidade e colocar o Recife no
mapa com uma linguagem contemporânea. O ambiente na
época era conservador, regionalista, voltado para a cultura
ruralista. E Recife era uma metrópole, com circulação de informação cosmopolita, mas
sem espaço para se expressar.
Na própria universidade havia
um ambiente conservador, de
unir o popularesco com a tradição ibérica. O contemporâneo,
o pop, não tinham espaço.
FOLHA - Qual é o legado deixado
pelo mangue beat?
FRED - Em Recife, é evidente a
superação desse conservadorismo. Hoje há uma predisposição do público e dos gestores
públicos muito mais receptiva
em relação ao contemporâneo,
ao urbano e à diversidade. O
próprio Carnaval do Recife é
diferenciado pelo multiculturalismo. Ao contrário da axé
music na Bahia ou do samba no
Rio, no Carnaval de Recife há o
festival Recbeat, que toca de
salsa a rock e eletrônica, além
de polos de frevo, de maracatu,
de hardcore. O mangue beat foi
uma inspiração para isso.
FOLHA - Em um segundo manifesto [o primeiro do mangue beat é de
1992], vocês afirmam ter medo de
ter parido um "monstro incontrolável". Por que esse receio? As ideias
do mangue beat foram distorcidas?
FRED - O mangue beat continua fomentando debate. Hoje
ainda me perguntam: "Como
faço para ser um mangueboy?".
Hoje tem banda que diz fazer
um som "mangue". Isso é uma
distorção do sentido original da
coisa. Não defendíamos a criação de um gênero musical. Era
uma movimentação em torno
da diversidade e do rompimento com o tradicionalismo.
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