São Paulo, sexta-feira, 18 de setembro de 2009

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ENTREVISTA

FRED ZERO QUATRO

Hoje o mangue beat não passaria de duas comunidades no Orkut

Vocalista da banda Mundo Livre S/A fala sobre o movimento musical surgido em Pernambuco no início dos anos 1990

Um dos principais artífices do mangue beat ao lado de Chico Science (1966-1997), Fred Zero Quatro afirma que o movimento surgido no Recife no início dos anos 1990 ajudou a romper com o conservadorismo e com o tradicionalismo. Hoje com 47 anos e dividindo o papel de vocalista do Mundo Livre S/A (que completa 25 anos de vida) com um cargo de assessor técnico da Secretaria da Cultura do Recife, Fred critica as mudanças ocorridas na música com a chegada da internet.

THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

FOLHA - Quando sai novo disco do Mundo Livre?
FRED ZERO QUATRO
- Já temos 15 ou 16 músicas para o álbum, que vai chamar "Durar É Viver". O disco celebra os 25 anos da banda. Já fizemos um show com vários convidados no festival de Garanhuns, talvez lançaremos um DVD. Há selos argentinos, portugueses e americanos querendo licenciar o disco, mas ainda estamos aguardado sair um edital para bancarmos a finalização do disco.

FOLHA - É necessário buscar esse tipo de apoio para lançar discos?
FRED
- É um reflexo da desconstrução do circuito da música que estamos vivendo. Os medalhões estão recorrendo a leis de incentivo para turnês, para gravar CDs, DVDs. Antes eram leias apropriadas ao perfil dos alternativos. E agora como ficam os alternativos? O guarda-chuva vai abrigar todo mundo? Tenho trombado com um monte de gente que simplesmente não tem como lançar disco, porque as gravadoras não querem gastar dinheiro.

Folha - Como você encara as mudanças ocorridas no mercado da música com a internet?
FRED
- Tenho participado de debates sobre cultura e percebo que, a despeito de toda a questão do acesso democrático e da maior visibilidade que chegaram com a internet, um fato inegável é que a web tem desestruturado quase todas as cadeias que se envolvem com a digitalização, do jornalismo à música. Hoje é moda celebrar a web, dizendo que finalmente nos livramos dos malas da indústria fonográfica. Tudo bem, a indústria até tinha um aspecto predatório, mas uma coisa é você defender a ausência da indústria, a ausência da cadeia produtiva. Se o mangue beat tivesse surgido num ambiente parecido com o que rola hoje, com gravadoras em crise, talvez o mangue beat tivesse se limitado a uma ou duas comunidades de Orkut, uma coisa de gueto. [No início dos anos 90] A Sony foi a Recife, contratou o Chico Science e bancou o primeiro clipe da banda, que rodou direto na MTV. Finalmente a indústria olhava para nós. E teve um efeito multiplicador forte. As pessoas esquecem isso. Hoje há uma situação sem indústria, sem cadeia produtiva. Está se instalando uma religião da tecnologia, um fundamentalismo tecnológico. Fala-se muito em economia sustentável, mas na cultura não existe consumo sustentável.

Folha - Há uma alternativa?
FRED
- Estamos todos aguardando que surja um novo modelo de negócio baseado na web 2.0. Mas ele não surge.

FOLHA - O Mundo Livre existe desde 1984. Como era a banda antes do estouro do mangue beat?
FRED
- Passamos quase dez anos como banda de garagem, eu fazia faculdade na época. Nem conhecíamos Chico, Jorge [Du Peixe; Nação Zumbi]. Nesse período surgiu o som da banda. Boa parte do repertório do "Samba Esquema Noise" [o primeiro disco] foi composta nos anos 80, entre 1984 e 1992. Quando fomos contratados pelo [selo] Banguela, tínhamos material para um disco triplo.

FOLHA - O que o mangue beat trouxe de inovador?
FRED
- O vínculo com o conceito de diversidade. Não era um mero movimento musical porque não havia um formato padronizado de música. Tinha uma postura de celebrar a diversidade e colocar o Recife no mapa com uma linguagem contemporânea. O ambiente na época era conservador, regionalista, voltado para a cultura ruralista. E Recife era uma metrópole, com circulação de informação cosmopolita, mas sem espaço para se expressar. Na própria universidade havia um ambiente conservador, de unir o popularesco com a tradição ibérica. O contemporâneo, o pop, não tinham espaço.

FOLHA - Qual é o legado deixado pelo mangue beat?
FRED
- Em Recife, é evidente a superação desse conservadorismo. Hoje há uma predisposição do público e dos gestores públicos muito mais receptiva em relação ao contemporâneo, ao urbano e à diversidade. O próprio Carnaval do Recife é diferenciado pelo multiculturalismo. Ao contrário da axé music na Bahia ou do samba no Rio, no Carnaval de Recife há o festival Recbeat, que toca de salsa a rock e eletrônica, além de polos de frevo, de maracatu, de hardcore. O mangue beat foi uma inspiração para isso.

FOLHA - Em um segundo manifesto [o primeiro do mangue beat é de 1992], vocês afirmam ter medo de ter parido um "monstro incontrolável". Por que esse receio? As ideias do mangue beat foram distorcidas?
FRED
- O mangue beat continua fomentando debate. Hoje ainda me perguntam: "Como faço para ser um mangueboy?". Hoje tem banda que diz fazer um som "mangue". Isso é uma distorção do sentido original da coisa. Não defendíamos a criação de um gênero musical. Era uma movimentação em torno da diversidade e do rompimento com o tradicionalismo.


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