|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Festival gaúcho vê teatro do Uruguai
Peças apresentadas incluem versão de Nelson Rodrigues, "Los Siete
Gatitos"
Com textos de autores estrangeiros, tom visceral das interpretações se opõe ao naturalismo que domina cena na vizinha Argentina
LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE
Um rio separa a agitação de
Buenos Aires da sisudez de
Montevidéu. Imagem semelhante serve para distinguir a
produção teatral das duas capitais, a julgar pelas amostras vistas nesta edição do Porto Alegre em Cena, um dos mais importantes festivais de artes cênicas do Brasil.
O Uruguai tem a representação mais numerosa da ala internacional da mostra -são
cinco espetáculos. Na dramaturgia de quase todos eles,
ecoam vozes estrangeiras.
Só um, "Van Gogh", leva assinatura uruguaia -de Ever
Blanchet, autor, cabe ressaltar,
radicado na Espanha há mais
de 30 anos. As outras peças são
criações de uma francesa (Yasmina Reza, de "Un Dios Salvaje"), de uma alemã (Dea Loher,
de "El Último Fuego"), de um
mexicano (Humberto Robles,
de "Kahlo Viva la Vida") e de
um brasileiro (Nelson Rodrigues, de "Los Siete Gatitos").
"Isso foi um recorte da curadoria. Há bons autores uruguaios em atividade, escrevendo sobre a falta de comunicação, as idiossincrasias do país
ou fazendo obras de denúncia
social", ressalta a atriz Adriana
do Reis, do monólogo "Kahlo".
Do outro lado do rio, uma das
marcas do teatro portenho (ao
menos do independente, realizado à margem das salas oficiais, mantidas pelo governo, e
das comerciais, ocupadas por
musicais e comédias desopilantes) é a autoralidade.
É comum dramaturgos assumirem também a direção de
seus textos. Em alguns casos,
acumulam ainda a interpretação, como faz aqui em Porto
Alegre Jorgelina Aruzzi de "La
Madre Impalpable", comédia
sobre a busca de uma mãe por
responsáveis pelo preconceito
que o filho gordinho sofre na
escola. As outras duas peças argentinas do festival têm igualmente autores-diretores.
Também no que se refere ao
tom das atuações, argentinos e
uruguaios navegam em águas
bem distintas. Os primeiros
priorizam um naturalismo verborrágico, convulsivo, que empresta à cena um ar de espontaneidade, até de improviso. No
fundo, tudo é meticulosamente
construído.
Já os uruguaios parecem preferir o registro melodramático,
de performances intensas, viscerais, sublinhadas por música.
"É como nos ensinam nas escolas de nosso país. Talvez o
teatro argentino, e também o
brasileiro, sejam mais despojados, desenvoltos. Mas não cabe
fazer juízo de valor, não é?", diz
Reis, levemente contrariada
com a insistência da reportagem na "queda" de seus compatriotas por interpretações que
rondam a estridência.
Na montagem de "Los Siete
Gatitos", boa parte do elenco se
safa do exagero, mas não se pode dizer o mesmo dos figurinos,
uma tentativa canhestra de
apreender o estilo kitsch do subúrbio carioca caro a Nelson
Rodrigues. As filhas de seu Noronha, que se prostituem para
pagar o colégio e o casamento
da caçula virginal Silene, aportam na margem uruguaia do rio
da Prata metidas em trajes esvoaçantes rosa choque, laranja
fluorescente e azul piscina. Dura travessia.
O jornalista LUCAS NEVES viajou a convite da
organização do festival
Texto Anterior: Artes: Arthur Omar ganha prêmio Sergio Motta Próximo Texto: Crítica/show: De bem com a vida, Lily Allen faz show curto e com energia Índice
|