São Paulo, quinta-feira, 18 de outubro de 2001

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LITERATURA

Romance radiografa solidão contemporânea

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Três Elefantes na Ópera", novo romance de Rogério Menezes, começa com uma viagem de avião e termina com uma outra.
Ambas fazem o trajeto São Paulo-Salvador, e em ambas, por acaso, estão três passageiros que não se conhecem e que se chamam, biblicamente, Maria, José e João. O livro é o relato alternado das suas respectivas histórias, que só se cruzam nos vôos citados.
Maria é uma mulher descasada e amarga, que se diz bruxa e vive com a mãe esclerosada; José é um homossexual aspirante a dramaturgo que, aos 44 anos, fica sabendo que tem um filho de 20; João é um intelectual, ex-comunista, que teve várias mulheres e perdeu as pernas num acidente.
A contraposição das três biografias -que percorrem Salvador, São Paulo e Brasília- ressalta o que esses três personagens tão diferentes entre si têm em comum: são todos quarentões em crise, sentindo-se derrotados pela vida e perplexos diante do acaso e do caos.
Esse é o primeiro ponto positivo do romance: falar da vida urbana contemporânea (o que inclui Aids, internet e misticismo globalizado) sem cair no deslumbrado, no fútil e no novidadeiro.
Baiano radicado em Brasília depois de ter vivido 12 anos em São Paulo, o escritor e jornalista Rogério Menezes não é propriamente um novato. Publicou seu primeiro romance, "Meu Nome É Gal", em 1986.
Só agora, 15 anos depois, dá à luz o segundo, que revela uma rara combinação de maturidade e vitalidade -e aqui chegamos ao segundo ponto forte do livro, que é o vigor (não confundir com rigor) de sua narração.
Os três grandes blocos em que se divide o livro -excetuados o prólogo e o epílogo "no ar"- são narrados cada um de uma maneira: o primeiro é um monólogo interior de Maria; o segundo, uma série de e-mails enviados e recebidos por José; o terceiro, um esboço de livro de memórias de João.

Camadas de subjetividade
Nos três casos, Menezes demonstra domínio no uso da primeira pessoa.
No relato de Maria, por exemplo, há um complexo adensamento do monólogo interior, que se desdobra em múltiplas camadas graças ao uso frequente, quase abusivo, dos parênteses e da grafia em itálico.
É como se a personagem ironizasse seu próprio discurso, mostrando que há sempre um "eu" mais profundo à espreita.
Narradores não confiáveis, relato descontínuo, recurso constante à ironia e à auto-ironia -Menezes manipula com desenvoltura esses elementos básicos da literatura moderna.
Peca, ocasionalmente, pela tentação da piada fácil, por um ou outro desleixo vocabular e pela concessão a certos cacoetes contemporâneos, como o de se referir repetidamente a um personagem por seus atributos exteriores: "O funcionário com palito entre dentes, hálito de cebola, arroz, feijão e bife e cabelos negros como a asa da graúna [etc."".
Outra idiossincrasia do autor é a abolição quase sistemática dos artigos (definidos ou indefinidos), o que produz frases estranhas como: "(...) caiu a cem metros do local, sobre mesa de perfumes "ivesanlorran" paraguaios que camelô vendia próximo ao conjunto nacional (...)".
E não se trata, nesse caso, de uma característica da fala de um personagem específico, uma vez que todos os três a compartilham. Nem, tampouco, da busca de uma escrita telegráfica, pois o romance é deliberadamente verborrágico.
Há no livro, em contrapartida, um saudável despudor no trato das questões sexuais, com passagens de uma crueza capaz de fazer Marcelo Mirisola corar, além de algumas idéias verdadeiramente inspiradas, como a dos diálogos que uma personagem trava com seus mortos no escuro do cinema.
Trata-se, em suma, de um romance desigual e cheio de arestas. Mas o que importa é que sob essa superfície irregular encontramos um retrato perturbador da solidão e da morte nas nossas metrópoles superlotadas de gente, de máquinas e de lixo.


Três Elefantes na Ópera    
Autor: Rogério Menezes
Editora: Record
Quanto: R$ 30 (310 págs.)




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