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LITERATURA
Romance radiografa solidão contemporânea
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
"Três Elefantes na Ópera", novo romance de Rogério Menezes, começa com uma
viagem de avião e termina com
uma outra.
Ambas fazem o trajeto São Paulo-Salvador, e em ambas, por acaso, estão três passageiros que não
se conhecem e que se chamam,
biblicamente, Maria, José e João.
O livro é o relato alternado das
suas respectivas histórias, que só
se cruzam nos vôos citados.
Maria é uma mulher descasada
e amarga, que se diz bruxa e vive
com a mãe esclerosada; José é um
homossexual aspirante a dramaturgo que, aos 44 anos, fica sabendo que tem um filho de 20; João é
um intelectual, ex-comunista, que
teve várias mulheres e perdeu as
pernas num acidente.
A contraposição das três biografias -que percorrem Salvador, São Paulo e Brasília- ressalta o que esses três personagens
tão diferentes entre si têm em comum: são todos quarentões em
crise, sentindo-se derrotados pela
vida e perplexos diante do acaso e
do caos.
Esse é o primeiro ponto positivo
do romance: falar da vida urbana
contemporânea (o que inclui
Aids, internet e misticismo globalizado) sem cair no deslumbrado,
no fútil e no novidadeiro.
Baiano radicado em Brasília depois de ter vivido 12 anos em São
Paulo, o escritor e jornalista Rogério Menezes não é propriamente
um novato. Publicou seu primeiro romance, "Meu Nome É Gal",
em 1986.
Só agora, 15 anos depois, dá à
luz o segundo, que revela uma rara combinação de maturidade e
vitalidade -e aqui chegamos ao
segundo ponto forte do livro, que
é o vigor (não confundir com rigor) de sua narração.
Os três grandes blocos em que
se divide o livro -excetuados o
prólogo e o epílogo "no ar"- são
narrados cada um de uma maneira: o primeiro é um monólogo interior de Maria; o segundo, uma
série de e-mails enviados e recebidos por José; o terceiro, um esboço de livro de memórias de João.
Camadas de subjetividade
Nos três casos, Menezes demonstra domínio no uso da primeira pessoa.
No relato de Maria, por exemplo, há um complexo adensamento do monólogo interior, que se
desdobra em múltiplas camadas
graças ao uso frequente, quase
abusivo, dos parênteses e da grafia em itálico.
É como se a personagem ironizasse seu próprio discurso, mostrando que há sempre um "eu"
mais profundo à espreita.
Narradores não confiáveis, relato descontínuo, recurso constante
à ironia e à auto-ironia -Menezes manipula com desenvoltura
esses elementos básicos da literatura moderna.
Peca, ocasionalmente, pela tentação da piada fácil, por um ou
outro desleixo vocabular e pela
concessão a certos cacoetes contemporâneos, como o de se referir
repetidamente a um personagem
por seus atributos exteriores: "O
funcionário com palito entre dentes, hálito de cebola, arroz, feijão e
bife e cabelos negros como a asa
da graúna [etc."".
Outra idiossincrasia do autor é a
abolição quase sistemática dos artigos (definidos ou indefinidos), o
que produz frases estranhas como: "(...) caiu a cem metros do local, sobre mesa de perfumes "ivesanlorran" paraguaios que camelô
vendia próximo ao conjunto nacional (...)".
E não se trata, nesse caso, de
uma característica da fala de um
personagem específico, uma vez
que todos os três a compartilham.
Nem, tampouco, da busca de uma
escrita telegráfica, pois o romance
é deliberadamente verborrágico.
Há no livro, em contrapartida,
um saudável despudor no trato
das questões sexuais, com passagens de uma crueza capaz de fazer
Marcelo Mirisola corar, além de
algumas idéias verdadeiramente
inspiradas, como a dos diálogos
que uma personagem trava com
seus mortos no escuro do cinema.
Trata-se, em suma, de um romance desigual e cheio de arestas.
Mas o que importa é que sob essa
superfície irregular encontramos
um retrato perturbador da solidão e da morte nas nossas metrópoles superlotadas de gente, de
máquinas e de lixo.
Três Elefantes na Ópera
Autor: Rogério Menezes
Editora: Record
Quanto: R$ 30 (310 págs.)
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