São Paulo, terça-feira, 18 de outubro de 2005

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FERNANDO BONASSI

Breve definição de República de Bananas

Uma República de Bananas é uma plantação de sacanas cultivada para dar em nada ou, quando muito, numa chuva de porrada na canalha que reclama ao relento da terra arrasada. Numa República da Bananas só o lamento é ouvido em meio às gargalhadas da comédia dos acontecimentos, quando os supostos cidadãos de respeito advogam o despeito em determinadas causas próprias.
As casas, no entanto, são sempre impróprias: quer porque uma minoria as obra com o resultado de suas manobras, quer porque a maioria não tem dinheiro para comprá-las ou porque ficam entregues aos engenheiros competentes em implosões terroristas ou às explosões capitalistas dos empreiteiros coniventes.
Numa República de Bananas, os executivos pagam as contas dos juízes sem juízo, o Judiciário tem o Legislativo nas entrelinhas dos mandatos e o Legislativo chantageia o Executivo com os atos que pode desabonar-lhe nas leis, fazendo com que uns e outros lidem com o definitivo como se fosse o provisório, recheando de meias medidas as mútuas malas diplomáticas com a sacanagem que aparece de passagem pelos raios X dos aeroportos patrocinados.
O que conterão nas cuecas esses assessores carregadores cafetinados à peso de dólar, como mulas de luxo, ou lixo, para transportar as fedentinas dos contratos mal contados e cheirosos?
Pode ser que seja tudo isso: esse compromisso com o avanço para o atraso, já que numa República de Bananas a "rés pública" fica ao rés do chão, erguendo as mãos postas em contrição ou abrindo as pernas para as esmolas dos salários que esses empresários suicidas teimam em pagar aos miseráveis arrivistas.
Numa República de Bananas, a autoridade pública delegada é protegida, ou promovida, por iniciativas de privada. Só uns poucos macacos gordos ocupam todas as moitas e quebram-se todos os galhos; o superfaturamento é uma espécie de "superfarturamento", ou "superenfartamento", concentrando um poder de danar e gelar o coração!
Numa República de Bananas os becos das bocas de fumo são sempre mais quentes que as bocas beijadas nas ruas, as ruas são sempre mais excitantes que as escolas, os assaltos e esmolas mais atrativos do que os livros e os livros das estantes menos importantes que as carteiras de hipotecas e os cartórios hereditários.
Numa República de Bananas a elite prefere blindar os carros a honrar os sarros dos impostos malcriados, cobrados e distribuídos e só as bancas de aposta tem a melhor rentabilidade do mercado futuro.
Numa República de Bananas os homens que temem fazer sexo demais são os que advogam a maior castidade alheia e as leis de física estão nas mãos dos escritórios de advocacia e de arquitetura. Aliás, nessa dura gramática de lesados, os predicados perderam para os sujeitos cujos advogados acertaram sentenças subordinadas com os magistrados, bandeirinhas e agregados. Numa República de Bananas, até no futebol, apesar da regra ser clara, prevalece a jurisprudência da esperteza e da impaciência com que se atiram aos pirulitos e apitos. O uniforme é sempre negro, errar é sempre humano e enriquecer é sempre espremer o pescoço de outro ser.
Numa República de Bananas o serviço secreto serve para manter as coisas em sigilo, ou num estilo em que não se possa mais perceber o lícito do ilícito. Quanto ao que é demais, o juro não é honrado, a bolsa vale mais do que a vida e a vida é essa dívida, onde a dúvida e a criatividade em matéria econômica são uma espécie de matéria fecal, naquilo que a moral tem de ridícula e o ridículo de normal.
Numa República de Bananas a Justiça é comprida e chata como um filme de pirata, pois a cada vez que é cumprida alimenta uma expropriação política, ou mesmo da própria polícia, pois essa é aquela cujos cofres sem segredo representam uma eterna tentação aos enfermos aspirantes a cargos por comissão e carros de chapa fria.
Numa República de Bananas há mais insegurança espalhada que seguranças antenados, mais vexames escondidos que exames realizados e mais funcionários encostados do que encosto para os espíritos dos aflitos. Assim, a meganha tem que resolver numa ponta o que os pamonhas deixaram de fazer na outra.
Numa República de Bananas, muito cuidado com os Deuses rancorosos! Pois os religiosos tornam-se mafiosos e os diletantes, traficantes, metendo-se nos negócios especializados dos partidos organizados... Mas uma República de Bananas também é um espaço cultural, onde artistas contratados por publicitários deslumbrados colocam suas habilidades à disposição da hereditariedade das verbas de licitação.
Numa República de Bananas há sempre uma crise de desconfiança de que o nunca aconteça, pois o tédio do trabalho embriaga mais do que a vodca da imaginação. Assim, aparentemente, só a eloqüência dos cemitérios poderá fornecer candidatos suscetíveis aos desdobramentos desses fatos enrolados e encobertos por imunidades intoleráveis aos malandros, já que os otários muito vivos preferem fingir-se de mortos enquanto a terra dá-lhes de comer, de beber, dinheiro para comprar escravos, mucamas e outras coisas mais...
Esse é sim o fim, mas ainda pode acabar pior.


@ - fbonassi@uol.com.br

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