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Crítica/"Ritournelle de la Faim"
Le Clézio escreve parábola ambiciosa
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE MODA
A
indicação de Jean-Marie Gustave Le Clézio
para o Nobel de Literatura deste ano revelou claramente as limitações e a indigência do mercado editorial do
país.
Anunciado o maior prêmio
literário do mundo, este mês, as
editoras brasileiras não tinham
em catálogo senão três livros do
escritor francês -autor de mais
de 40 títulos, escritos ao longo
de 45 anos.
Ainda levará, portanto, um
bom tempo até que os leitores
brasileiros tenham acesso à
tradução de "Ritournelle de la
Faim" (Ritornelo da Fome), o
novo romance de Le Clézio,
lançado pouco antes da notícia
do Nobel.
Trata-se de uma obra ambiciosa, mas escrita em baixo
tom, como uma parábola.
Baseado na história da mãe
do escritor -assim como "O
Africano" (2004, ed. CosacNaify) se inspirara na do pai-,
o romance segue a protagonista
Ethel desde a década de 1930
até o final da Segunda Guerra.
Tragédia
Ethel é um dos personagens
mais comoventes criados por
Le Clézio, mas o romance inteiro traz seres que não desgrudam da memória após terminarmos o livro -todos eles fisgados pela tragédia da história.
Filha de imigrantes da ilha
Maurício, Ethel assiste pouco a
pouco à falência econômica de
sua família da alta burguesia, ao
mesmo tempo em que vê a ruína da França, com a ocupação
nazista (1940-1944). A miséria
e a fome passam a ocupar o lugar de seus devaneios infantis,
enquanto os alemães a transformam numa refugiada em
seu próprio país.
Por trás do invólucro memorialístico e do forte lirismo, que
às vezes beira o sentimental,
"Ritournelle de la Faim" é porém um livro marcadamente
político, de olho no presente.
A história de Ethel (e a de
seus parentes judeus) acaba
sendo motivo para Le Clézio
traçar uma genealogia do abjeto racismo francês e uma parábola da xenofobia violenta, que
hoje retorna à Europa.
Mas a "mensagem" não sufoca a narrativa e a escrita.
A obra de Le Clézio pode não
ter a força de invenção de alguns de seus conterrâneos, como Alain Robbe-Grillet ou
Georges Perec, ou de provocação e escândalo, como em Céline e Houellebecq, mas é toda
ela devotada à literatura, com
sua potência para criar um
mundo -e interpelar este em
que vivemos.
RITOURNELLE DE LA FAIM
Autor: J.M.G. Le Clézio
Editora: Gallimard
Quanto: 18 euros (224 págs.)
Avaliação: bom
RAIO-X
Nome: Guillermo Cabrera
Infante
Vida: Nasceu em Cuba, em
1929, e morreu em Londres,
em 2005
Principais obras: "Três Tristes Tigres" (1964), "Fumaça
Pura" (1985), "Havana para
um Infante Defunto" (1979),
"Mea Cuba" (1992) e "El Libro
de las Ciudades" (1999)
No Brasil: Entre vários amigos ilustres, conheceu e aproximou-se dos irmãos escritores Haroldo e Augusto de
Campos e dos cantores Gilberto Gil e Caetano Veloso
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