São Paulo, sábado, 18 de outubro de 2008

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Crítica/"Ritournelle de la Faim"

Le Clézio escreve parábola ambiciosa

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE MODA

A indicação de Jean-Marie Gustave Le Clézio para o Nobel de Literatura deste ano revelou claramente as limitações e a indigência do mercado editorial do país.
Anunciado o maior prêmio literário do mundo, este mês, as editoras brasileiras não tinham em catálogo senão três livros do escritor francês -autor de mais de 40 títulos, escritos ao longo de 45 anos.
Ainda levará, portanto, um bom tempo até que os leitores brasileiros tenham acesso à tradução de "Ritournelle de la Faim" (Ritornelo da Fome), o novo romance de Le Clézio, lançado pouco antes da notícia do Nobel.
Trata-se de uma obra ambiciosa, mas escrita em baixo tom, como uma parábola.
Baseado na história da mãe do escritor -assim como "O Africano" (2004, ed. CosacNaify) se inspirara na do pai-, o romance segue a protagonista Ethel desde a década de 1930 até o final da Segunda Guerra.

Tragédia
Ethel é um dos personagens mais comoventes criados por Le Clézio, mas o romance inteiro traz seres que não desgrudam da memória após terminarmos o livro -todos eles fisgados pela tragédia da história.
Filha de imigrantes da ilha Maurício, Ethel assiste pouco a pouco à falência econômica de sua família da alta burguesia, ao mesmo tempo em que vê a ruína da França, com a ocupação nazista (1940-1944). A miséria e a fome passam a ocupar o lugar de seus devaneios infantis, enquanto os alemães a transformam numa refugiada em seu próprio país.
Por trás do invólucro memorialístico e do forte lirismo, que às vezes beira o sentimental, "Ritournelle de la Faim" é porém um livro marcadamente político, de olho no presente.
A história de Ethel (e a de seus parentes judeus) acaba sendo motivo para Le Clézio traçar uma genealogia do abjeto racismo francês e uma parábola da xenofobia violenta, que hoje retorna à Europa.
Mas a "mensagem" não sufoca a narrativa e a escrita.
A obra de Le Clézio pode não ter a força de invenção de alguns de seus conterrâneos, como Alain Robbe-Grillet ou Georges Perec, ou de provocação e escândalo, como em Céline e Houellebecq, mas é toda ela devotada à literatura, com sua potência para criar um mundo -e interpelar este em que vivemos.

RITOURNELLE DE LA FAIM
Autor: J.M.G. Le Clézio
Editora: Gallimard
Quanto: 18 euros (224 págs.)
Avaliação: bom

RAIO-X

Nome: Guillermo Cabrera Infante
Vida: Nasceu em Cuba, em 1929, e morreu em Londres, em 2005
Principais obras: "Três Tristes Tigres" (1964), "Fumaça Pura" (1985), "Havana para um Infante Defunto" (1979), "Mea Cuba" (1992) e "El Libro de las Ciudades" (1999)
No Brasil: Entre vários amigos ilustres, conheceu e aproximou-se dos irmãos escritores Haroldo e Augusto de Campos e dos cantores Gilberto Gil e Caetano Veloso


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