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MANUEL DA COSTA PINTO
Feltrinelli, o vermelho
A biografia de Feltrinelli foi escrita por seu filho, que não hesita em criticá-lo ou a dar voz aos detratores do pai
UM JOVEM aristocrata que adere ao Partido Comunista sugere má consciência ou um
"intelectual orgânico" (Gramsci).
Um bilionário que amadurece na
militância e morre na clandestinidade, porém, se transforma em lenda.
"Só acredito em histórias cujas
testemunhas se fariam degolar", escreveu Pascal. Giangiacomo Feltrinelli deixou-se morrer no dia 14 de
março de 1972, aos 45 anos, quando
colocava explosivos numa torre de
alta tensão em localidade próxima a
Milão. É o fim da trajetória de uma
das personagens mais ricas da história italiana, cuja biografia acaba de
ser lançada no Brasil.
"Feltrinelli: Editor, Aristocrata e
Subversivo" foi escrito pelo filho do
homem que criou a editora que leva
seu nome de família. Na Itália, Feltrinelli é figura conhecida. Para o leitor brasileiro, preserva o sabor de
uma vida mais romanesca do que os
livros que publicou.
Seu anti-sectarismo como editor
se tornou célebre quando a Feltrinelli lançou dois clássicos contemporâneos: "O Gattopardo", de Tomasi
de Lampedusa, e "Doutor Jivago",
de Boris Pasternak. O romance de
Lampedusa havia sido recusado pelas editoras Mondadori e Einaudi,
recebendo parecer negativo de Elio
Vittorini -neo-realista que viu nessa obra-prima sobre o ocaso da nobreza siciliana a nostalgia de um
mundo estático.
E "Doutor Jivago", libelo contra o
totalitarismo soviético, foi publicado contrariando os paranóicos esforços de membros do Partido Comunista Italiano e dos comissários
que mantinham Pasternak no ostracismo. Detalhe essencial: Feltrinelli
era membro do PCI e financiava
com a fortuna familiar os grupos de
esquerda de seu país -tendo criado
uma biblioteca pública que preserva
preciosos documentos sobre a história do movimento operário.
O lançamento mundial de "Doutor Jivago" tem lances rocambolescos. Feltrinelli mantinha com Pasternak uma correspondência oficial
(na qual o escritor se dizia arrependido de ter lhe enviado os originais)
e uma troca de cartas paralela (em
que manifestava suas verdadeiras
intenções).
A publicação do livro leva à ruptura com o PCI em 1957 e assinala a radicalização de seu engajamento. Em
1967, ele está na Bolívia, às vésperas
do assassinato de Che Guevara. Nesse meio tempo, viaja a Cuba, onde
colhe depoimentos de Fidel para a
publicação de suas memórias -sendo classificado pela CIA como "principal agente castrista na Europa".
"Feltrinelli é o todo-poderoso de
uma república particular, representada por ele mesmo, por seus livros,
por seus autores, por suas idéias, por
seu dinheiro", escreve o filho Carlo,
que não hesita em dar voz aos detratores do pai e não poupa críticas a
sua delirante adesão a grupos terroristas dos anos 70 (como as Brigadas
Vermelhas). O resultado é o retrato
intelectual de um continente em
convulsão, bem distante da burocrática União Européia.
FELTRINELLI: EDITOR, ARISTOCRATA E SUBVERSIVO
Autor: Carlo Feltrinelli
Tradutor: Romana Ghirotti Prado
Editora: Conrad
Quanto: R$ 53 (392 págs.)
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