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Livros - Crítica/biografia
Kureishi faz obra irregular ao unir biografia e tributo ao pai
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Um ano após a morte do
pai, Hanif Kureishi visitou V. S. Naipaul em
sua residência de Salisbury.
Naipaul foi um dos primeiros
escritores das "minorias" a ganhar o reconhecimento internacional. Na verdade, quando
Vidiadhar despontou para a fama, em um momento anterior
à "world music" na definição
de Kureishi, a própria noção de
identidade nacional vinha em
segundo plano.
Na época do encontro, Naipaul já havia escrito todos seus
grandes romances e, mostrando desencanto com a ficção,
buscava novos gêneros literários. Ele disse então que sua
obra já havia sido produzida
-"está lá; já foi completada"-
e que só continuava a escrever
porque gostava da atividade.
Não há como não pensar,
diante deste livro não destituído de interesse, mas esquisito,
que se trata de um paralelo cabível. Será que Kureishi, com
"O Buda do Subúrbio" e "O Álbum Negro", já teria "completado" sua obra, e agora só escreve porque o ato lhe dá prazer? Mesmo seu livro anterior,
"O Corpo", não está à altura
dessas outras produções.
"No Colo do Pai" seria, ostensivamente, no início pelo
menos, um relato sobre o pai
do autor, Shani. Nascido na Índia colonial, Kureishi sênior foi
para a Inglaterra antes da "partilha" de 1947, e lá trabalhou
como funcionário da embaixada paquistanesa. Sua grande
ambição, porém, era tornar-se
escritor -aspiração que transmitiu ao filho, que o superou.
Shani escreveu peças de teatro, contos e romances recusados pelas editoras. Um deles,
descoberto pelo filho anos após
sua morte, induziu à criação
deste livro. Embora narrado
como ficção, "Uma Adolescência Indiana", de Shani, é autobiográfico. A partir do material
da obra, Kureishi passa a analisar a vida do pai e da família.
Também entram no caldo do
exame afetivo as lembranças
do tio Omar, irmão de Shani,
espécie de celebridade no Paquistão, onde foi locutor esportivo e faz sucesso até hoje com
seus livros de memórias. Assim, num primeiro momento,
"No Colo do Pai" parece dirigir-se para o retrato das "ilusões perdidas" de Shani, a descrição de suas ambições frustradas ao pé do êxito do irmão
e, depois, do filho.
Mas, então, o pai quase que
some de cena e o livro é tomado
pelas memórias de Kureishi: a
dificuldade para adaptar-se à
escola pública, onde mais de
uma vez foi agredido por ser
"paqui"; a fase de efervescência, em meados dos anos 70,
quando surgiram bandas de
punk e new wave e a loja de Vivienne Westwood causava furor na King's Road.
É como se o filho, mais uma
vez, roubasse a voz ao pai. A auto-referência se torna estridente e incômoda.
Kureishi escreve frases como esta, que poderiam ter sido extraídas de
um folheto promocional: "["O
Buda do Subúrbio'] foi publicado em 1999 e vendeu bem; foi
traduzido para 30 idiomas e virou série de televisão". Não só
ele, como principalmente seu
pai, mereciam um tributo menos constrangedor.
NO COLO DO PAI
Autor: Hanif Kureishi
Tradução: Celso Nogueira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 38 (208 págs.)
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