São Paulo, sábado, 18 de novembro de 2006

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Livros - Crítica/biografia

Kureishi faz obra irregular ao unir biografia e tributo ao pai

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Um ano após a morte do pai, Hanif Kureishi visitou V. S. Naipaul em sua residência de Salisbury.
Naipaul foi um dos primeiros escritores das "minorias" a ganhar o reconhecimento internacional. Na verdade, quando Vidiadhar despontou para a fama, em um momento anterior à "world music" na definição de Kureishi, a própria noção de identidade nacional vinha em segundo plano.
Na época do encontro, Naipaul já havia escrito todos seus grandes romances e, mostrando desencanto com a ficção, buscava novos gêneros literários. Ele disse então que sua obra já havia sido produzida -"está lá; já foi completada"- e que só continuava a escrever porque gostava da atividade.
Não há como não pensar, diante deste livro não destituído de interesse, mas esquisito, que se trata de um paralelo cabível. Será que Kureishi, com "O Buda do Subúrbio" e "O Álbum Negro", já teria "completado" sua obra, e agora só escreve porque o ato lhe dá prazer? Mesmo seu livro anterior, "O Corpo", não está à altura dessas outras produções.
"No Colo do Pai" seria, ostensivamente, no início pelo menos, um relato sobre o pai do autor, Shani. Nascido na Índia colonial, Kureishi sênior foi para a Inglaterra antes da "partilha" de 1947, e lá trabalhou como funcionário da embaixada paquistanesa. Sua grande ambição, porém, era tornar-se escritor -aspiração que transmitiu ao filho, que o superou.
Shani escreveu peças de teatro, contos e romances recusados pelas editoras. Um deles, descoberto pelo filho anos após sua morte, induziu à criação deste livro. Embora narrado como ficção, "Uma Adolescência Indiana", de Shani, é autobiográfico. A partir do material da obra, Kureishi passa a analisar a vida do pai e da família.
Também entram no caldo do exame afetivo as lembranças do tio Omar, irmão de Shani, espécie de celebridade no Paquistão, onde foi locutor esportivo e faz sucesso até hoje com seus livros de memórias. Assim, num primeiro momento, "No Colo do Pai" parece dirigir-se para o retrato das "ilusões perdidas" de Shani, a descrição de suas ambições frustradas ao pé do êxito do irmão e, depois, do filho.
Mas, então, o pai quase que some de cena e o livro é tomado pelas memórias de Kureishi: a dificuldade para adaptar-se à escola pública, onde mais de uma vez foi agredido por ser "paqui"; a fase de efervescência, em meados dos anos 70, quando surgiram bandas de punk e new wave e a loja de Vivienne Westwood causava furor na King's Road.
É como se o filho, mais uma vez, roubasse a voz ao pai. A auto-referência se torna estridente e incômoda.
Kureishi escreve frases como esta, que poderiam ter sido extraídas de um folheto promocional: "["O Buda do Subúrbio'] foi publicado em 1999 e vendeu bem; foi traduzido para 30 idiomas e virou série de televisão". Não só ele, como principalmente seu pai, mereciam um tributo menos constrangedor.


NO COLO DO PAI   
Autor: Hanif Kureishi
Tradução: Celso Nogueira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 38 (208 págs.)


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