|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Llorenç Barber coordenará a ação de 42 sineiros em obra de 48 minutos
Catalão dirige "sinfonia de sinos" em Ouro Preto
IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Quase todos os sinos das igrejas
de Ouro Preto vão soar hoje, às
21h, para um concerto sui generis.
Sob a direção do compositor catalão Llorenç Barber, 56, e coordenadas com o auxílio de cronômetros, as campanas vão entoar, ao
longo de 48 minutos, "Sinos da
Paz", obra escrita especialmente
por Barber para a cidade mineira.
"Meu trabalho é muito simples:
colocar em relevo o que já existe.
Eu chego à cidade, escrevo a partitura e busco músicos locais, porque, em uma cidade que não tem
musicistas, não deve haver esse tipo de concerto."
A iniciativa vai envolver, assim,
42 sineiros e 16 diretores de torre,
entre os quais se encontram músicos que estudam na Universidade Federal de Ouro Preto. De todos os sinos da cidade, só não será
utilizado o maior. "Posso olhar
para ele, mas não dá para utilizá-lo, porque está em reparos. Sofro
como uma criança privada de um
brinquedo", compara o autor.
A partitura, que ficou pronta na
segunda-feira, envolve os sinos
tangidos com o que Barber chama
de "artimanhas de compositor",
como pequenas ressonâncias, baquetas de tamanho diminuto e
badalos móveis. Tocar esses artefatos acaba exigindo um treinamento especial, e o catalão treinou os musicistas locais em "tipologias de ataque, como técnicas de
mão e de munheca", acrescentando um repertório novo de repiques aos já tradicionalmente adotados pelos sineiros.
"O concerto começa com um sinal sonoro", descreve. "Em seguida, todos os cronômetros começam a funcionar, coordenando as
entradas de cada sino." Também
cronometradas são as entradas de
fogos de artifício. "Os fogos seriam os violoncelos e contrabaixos da minha orquestra", compara. "Eles participam do crescendo
final. É um fogo de artifício que
explode, não é para ser visto."
Como os sinos estão espalhados
por toda a cidade, não será possível a ninguém ouvir tudo o que
está acontecendo. "É um concerto
utópico, porque ninguém vai escutá-lo por inteiro. O ouvinte tem
que construir a escuta; no espaço
de tempo de uma hora, sair de sua
casa e ir à cata dos sons."
Esteticamente, Barber se considera filiado ao minimalismo, nome que passou a ser dado a partir
dos anos 70 a práticas inauguradas na década anterior e cujas características mais marcantes são a
harmonia estática e a repetição
incessante de padrões rítmicos.
"Há o minimalismo especulativo,
de compositores que admiro, como Steve Reich, Philip Glass e
Terry Riley; e minimalismos apegados ao étnico, que, na Espanha,
estão ligados ao flamenco."
A idéia de realizar o trabalho em
Ouro Preto surgiu há dez anos,
quando o catalão visitou São Paulo, Santos e Rio, em uma turnê de
concertos de câmera. "Já naquela
época, ouvi falar na cidade, mas
só agora foi possível viabilizar o
projeto. Como a minha arte é pública, é natural que leve tempo para colocar as idéias em prática."
A utilização de espaços abertos
está longe de ser uma novidade
para o autor, que já dirigiu mais
de 150 apresentações do gênero.
Os maiores êxitos foram "Naumaquia", um "concerto-combate" com 19 navios da armada espanhola, e o "Concerto dos Sentidos", com 1.700 executantes.
"O mais bonito em Ouro Preto é
o relevo, a história, a memória",
descreve. "Muito dessa memória
dorme recostada nos sinos. Hoje,
só tocam em chamada para a missa, o que dá a impressão de que
essa memória vai dormir." E a razão para o título da obra? "Ela se
chama "Sinos da Paz" por causa de
Bush e desses "cabrones" que estão
acabando com o mundo."
Texto Anterior: Vitrine estrangeira Próximo Texto: Fernando Gabeira: O que acaba quando o ano acaba? Índice
|