São Paulo, sábado, 18 de dezembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÚSICA

Llorenç Barber coordenará a ação de 42 sineiros em obra de 48 minutos

Catalão dirige "sinfonia de sinos" em Ouro Preto

IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Quase todos os sinos das igrejas de Ouro Preto vão soar hoje, às 21h, para um concerto sui generis. Sob a direção do compositor catalão Llorenç Barber, 56, e coordenadas com o auxílio de cronômetros, as campanas vão entoar, ao longo de 48 minutos, "Sinos da Paz", obra escrita especialmente por Barber para a cidade mineira.
"Meu trabalho é muito simples: colocar em relevo o que já existe. Eu chego à cidade, escrevo a partitura e busco músicos locais, porque, em uma cidade que não tem musicistas, não deve haver esse tipo de concerto."
A iniciativa vai envolver, assim, 42 sineiros e 16 diretores de torre, entre os quais se encontram músicos que estudam na Universidade Federal de Ouro Preto. De todos os sinos da cidade, só não será utilizado o maior. "Posso olhar para ele, mas não dá para utilizá-lo, porque está em reparos. Sofro como uma criança privada de um brinquedo", compara o autor.
A partitura, que ficou pronta na segunda-feira, envolve os sinos tangidos com o que Barber chama de "artimanhas de compositor", como pequenas ressonâncias, baquetas de tamanho diminuto e badalos móveis. Tocar esses artefatos acaba exigindo um treinamento especial, e o catalão treinou os musicistas locais em "tipologias de ataque, como técnicas de mão e de munheca", acrescentando um repertório novo de repiques aos já tradicionalmente adotados pelos sineiros.
"O concerto começa com um sinal sonoro", descreve. "Em seguida, todos os cronômetros começam a funcionar, coordenando as entradas de cada sino." Também cronometradas são as entradas de fogos de artifício. "Os fogos seriam os violoncelos e contrabaixos da minha orquestra", compara. "Eles participam do crescendo final. É um fogo de artifício que explode, não é para ser visto."
Como os sinos estão espalhados por toda a cidade, não será possível a ninguém ouvir tudo o que está acontecendo. "É um concerto utópico, porque ninguém vai escutá-lo por inteiro. O ouvinte tem que construir a escuta; no espaço de tempo de uma hora, sair de sua casa e ir à cata dos sons."
Esteticamente, Barber se considera filiado ao minimalismo, nome que passou a ser dado a partir dos anos 70 a práticas inauguradas na década anterior e cujas características mais marcantes são a harmonia estática e a repetição incessante de padrões rítmicos. "Há o minimalismo especulativo, de compositores que admiro, como Steve Reich, Philip Glass e Terry Riley; e minimalismos apegados ao étnico, que, na Espanha, estão ligados ao flamenco."
A idéia de realizar o trabalho em Ouro Preto surgiu há dez anos, quando o catalão visitou São Paulo, Santos e Rio, em uma turnê de concertos de câmera. "Já naquela época, ouvi falar na cidade, mas só agora foi possível viabilizar o projeto. Como a minha arte é pública, é natural que leve tempo para colocar as idéias em prática."
A utilização de espaços abertos está longe de ser uma novidade para o autor, que já dirigiu mais de 150 apresentações do gênero. Os maiores êxitos foram "Naumaquia", um "concerto-combate" com 19 navios da armada espanhola, e o "Concerto dos Sentidos", com 1.700 executantes.
"O mais bonito em Ouro Preto é o relevo, a história, a memória", descreve. "Muito dessa memória dorme recostada nos sinos. Hoje, só tocam em chamada para a missa, o que dá a impressão de que essa memória vai dormir." E a razão para o título da obra? "Ela se chama "Sinos da Paz" por causa de Bush e desses "cabrones" que estão acabando com o mundo."


Texto Anterior: Vitrine estrangeira
Próximo Texto: Fernando Gabeira: O que acaba quando o ano acaba?
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.