São Paulo, terça-feira, 18 de dezembro de 2007

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CECILIA GIANNETTI

Backup: só o que presta


Entro em crise de backup compulsivo e gravo em CDs toda a vidinha eletrônica; incluo textos e músicas


SE NÃO for confusão de mente enfeitiçada pela correria da metrópole, é uma brincadeira de mau gosto que a idade me faz: à medida que envelhecemos, os 365 dias do ano passam cada vez mais rápido.
Parece que, justo quando começamos a aprender alguma coisa sobre saborear em vez de engolir sem mastigar o mundico a nossa volta, ele aperta o passo e apressa a vida, apaga os limites entre os dias, os meses e -feliz ano novo, cá (lá) estamos. Sempre haverá quem discorde de tal impressão, possivelmente roncando no sofá enquanto aguarda a chegada da década de 70. Para o saudosista, independente de faixa etária, o único tempo que conta é o passado.
Para quem vive de fato, vai tudo acelerado demais. Quando damos pela coisa, já é 1º de janeiro e curtimos uma ressaca que pode ser tão difícil de evitar quanto a passagem do tempo. Acordamos no ano novíssimo em folha com gosto de guarda-chuva velho na boca, para descobrir que algumas poses lamentáveis, fotografadas no Réveillon em câmeras digitais e celulares, foram distribuídas por blogs, fotologs, orkuts e flickrs internet afora. Neste caso, também, sempre haverá quem discorde; e para esses, com o intuito de evitar qualquer interpretação diversa do texto, afirmo: em hipótese alguma tento insinuar que sofram de ressaca e saiam tortos em fotografias, como ocorre com 90% da humanidade. Viva a diferença!
De qualquer jeito, para o bem ou para o mal, é possível que seus descendentes jamais cheguem a ver suas imagens digitais, a menos que você as imprima e colecione, ou que os sites que hospedam álbuns de fotos virtuais sobrevivam às revoluções por minuto da rede mundial de computadores. Outra vez haverá quem discorde: "A internet, assim como a TV, nunca haverá de colapsar". E aqui concordarei com os discordantes, para tranqüilizá-los e a mim mesma. Mas não deixo de ter meus ataques agudos de cassandrismo, em que imagino a possibilidade de todos os nossos micos fotográficos contemporâneos serem um dia varridos da interface da web e da face da Terra num colapso mais catastrófico do que o alarmado -e nunca ocorrido- bug do milênio.
Quando esse pensamento nefasto me aflige, entro em crise de backup compulsivo e gravo em CDs toda a vidinha eletrônica de que disponho. Incluo no meu baú de reserva não só as fotos, mas textos e músicas também. Tal paranóia tem raízes em um trauma real. Nem sempre fui tão cautelosa, cheguei a perder meu primeiro livro num apagão de computador. Meu editor, então, foi solidário; havia perdido sua tese de mestrado da mesma maneira. Em ambas as situações, fizemos o que tinha que ser feito: recomeçamos.
Curva de rio sujo só junta tranqueira. Por isso tanta gente se apega ao ritual do 31 de dezembro, dá-lhes a sensação de estar nadando noutras águas, mais limpas. Pode ser característica de tempos velozes, ou, pelo contrário, talvez seja mais antigo que o calendário romano -mas algumas coisas têm de ficar para trás. E aí, de novo, fazemos o que tem de ser feito: recomeçamos.


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