São Paulo, sábado, 18 de dezembro de 2010 |
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CRÍTICA ROMANCE Obra de Crane revela a insignificância do homem na guerra Autor antecipa uma mirada moderna sobre a Guerra de Secessão em "O Emblema Vermelho da Coragem"
MARCELO PEN ESPECIAL PARA A FOLHA O escritor Joseph Conrad (1857- 1924) não poupou elogios a "O Emblema Vermelho da Coragem" numa resenha escrita na década de 1920. Conrad fala da sensação que o romance de Stephen Crane (1871-1900) lhe causou quando foi lançado, em 1895. Reafirma que se trata de uma obra-prima (o autor tinha apenas 22 anos quando saiu a versão em folhetim). Num certo ponto, se refere ao que denomina um toque "muito moderno": o fato de as grandes batalhas de outrora, as guerras "à moda grega", não existirem mais. O contraponto é com a "Ilíada", de Homero, e com Aquiles, que reputadamente prefere a morte gloriosa a uma existência indigna. Mas o que Henry Fleming, recém-alistado no 304º regimento de Nova York na Guerra de Secessão, desconfia é que a própria morte numa guerra "moderna" seria indigna -fruto de uma existência sem mérito e de um destino sem iluminação. A perspicácia de Crane está em atribuir a esse conflito, que entre 1861 e 1865 dilacerou a nação americana, a característica que Conrad chamou de moderna e que o filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940) descreveu (acerca da Primeira Guerra) como um "campo de forças de torrentes e explosões". Crane usa várias vezes o termo "insignificante", adiantando em algumas décadas a questão apontada por Benjamin. Seu herói Fleming percebe que é apenas uma pequena peça de uma engrenagem "terrível e imensa", como numa fábrica. Quanto à glória, ela não se mediria por "altares imorredouros... no coração dos compatriotas", mas por "reportagens de títulos vagos e insignificantes". A relação com a imprensa também não é casual. Numa de suas lúgubres descrições do campo de batalha, Crane mostra o cadáver de um soldado caído perto de um jornal dobrado. Resta saber se, após a terrível experiência neste episódio sangrento da guerra civil, que inclui a deserção, o retorno à frente de combate e o receio de sua falha moral ser descoberta, Fleming teria amadurecido, teria adquirido sabedoria. Se, por um lado, o narrador salienta que aqueles soldados neófitos agora "eram homens", por outro o herói surge, mesmo no fim, mergulhado em incertezas, ilusões e erros de julgamento. A lucidez viera antes, quando tomara consciência da sua pequenez. Nesta insolúvel ambiguidade o livro de Crane também parece aliar-se aos tempos modernos. MARCELO PEN é professor de teoria literária na USP O EMBLEMA VERMELHO DA CORAGEM AUTOR Stephen Crane TRADUÇÃO Sérgio Rodrigues EDITORA Companhia das Letras QUANTO R$ 25 (216 págs.) AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Crítica/Coletânia: "Realidade Re-Vista" traz jornalismo audaz Próximo Texto: Crítica/Conto: "Os Outros" traz excelência literária argentina Índice | Comunicar Erros |
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