São Paulo, sábado, 18 de dezembro de 2010 |
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CRÍTICA CONTO "Os Outros" traz excelência literária argentina Autores pouco conhecidos no Brasil têm contos reunidos com organização do escritor portenho Luis Gusmán
DANIEL BENEVIDES COLABORAÇÃO PARA A FOLHA Há mais psicanalistas e escritores na Argentina do que na maioria dos países. O fenômeno poderia ser explicado de forma jocosa e aparentemente contraditória: o complexo de não ser europeu, por um lado, e o orgulho de ser argentino, por outro. Mas qualquer menção desabonadora cai por terra diante da literatura de nossos vizinhos. É uma literatura excelente, inspiradora. Um ótimo exemplo é essa coletânea organizada por Luis Gusmán, ele mesmo grande escritor, autor de "Villa", clássico moderno da prosa política. São 27 autores e 27 contos. Todos de alto nível. O que os aproxima é o fato de serem quase todos desconhecidos no Brasil (algo que poderia ser explicado também de forma jocosa, mas deixemos para lá), ou de serem "jovens", abaixo dos 60, com exceções. O prefácio de Gusmán e informações ao final dão conta de apresentá-los formalmente. Mas é no estilo peculiar que se revelam. Tome-se, por exemplo, o conto "Cinismo", de Sergio Bizzio. É o que se poderia chamar de prosa cortante, inclemente, sem meias-palavras. Foge do óbvio pelo tema. No caso, a iniciação sexual de um adolescente com uma garota hermafrodita de 12 anos. O conto virou o filme premiado em Cannes "XXY" (2007), nas mãos de Lucía Puenzo. Alan Pauls vai mais longe. Além do estilo próprio, ele faz o papel do provocador, em seu conto "Interminável -Um Diário Íntimo": "Odeio a tradição do conto argentino. Essa perícia mecânica, esse acabamento, essa perfeição de joalheria, essa pureza, esses arremates engenhosos..." Quem o diz é Rímini, o tradutor vivido por Gael García Bernal na adaptação de Hector Babenco de "O Passado" (2007), livro que tornou o escritor conhecido no país. Muitos dos autores de "Os Outros" parecem não angustiados com a influência, na acepção conhecida de Harold Bloom, mas fartos dela. Borges, Bioy e Cortázar seriam modelos a se afastar, não a superar. Claro, é possível notar algo de borgiano na prosa poética e singular de Luis O. Tedesco, ou algo de Cortázar nos jogos semânticos e visuais de Luis Chitarroni. Mas talvez sejam apenas vislumbres automáticos. Mesmo Ricardo Zelarrayán, nascido "em meados dos anos 20", é uma figura algo marginal, "cult". Seu conto "Pele de Cavalo" mostra o quanto é original sem com isso perder aquela emoção indefinível, misteriosa que permeia os grandes textos. O mesmo se pode dizer de María Moreno, com seu evocativo "Tenha Dó (Praça Miserere)", ou "Uma Pequena Luz", no qual Florencia Abbate lamenta: "É triste que as palavras não sejam suficientemente diáfanas". Já "O Cerco", de Martín Kohan, e "Vida de uma Bala", de Juan Becerra, se utilizam da história argentina para criar uma ficção desconcertante, em que habilmente usam a sugestão para "povoar" os contos de elementos nunca mencionados. Que venham mais livros como este. OS OUTROS - NARRATIVA ARGENTINA CONTEMPORÂNEA AUTOR vários (org. de Luis Gusmán) EDITORA Iluminuras QUANTO R$ 44 (288 págs.) AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Crítica/Romance: Obra de Crane revela a insignificância do homem na guerra Próximo Texto: Crítica: Novos autores revelam urgência pelo ato de narrar Índice | Comunicar Erros |
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