São Paulo, Quarta-feira, 19 de Janeiro de 2000


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Marginalizada, música caipira vive renascimento

JEAN-YVES DE NEUFVILLE
especial para a Folha

O cantor e compositor Ranulfo Ramiro da Silva, conhecido como Xavantinho, da dupla Pena Branca & Xavantinho, morreu em 8 de outubro passado, em São Paulo, aos 56 anos. Os principais jornais deram muito pouco espaço. E só.
A cultura popular perdia uma das duplas mais autênticas e respeitadas da música caipira -a música rural de raízes brasileira, que se caracteriza pelo uso da viola e da rabeca.
Em sua casa, na zona norte de São Paulo, José Ramiro, 59, o Pena Branca, parece não se importar com a indiferença da mídia. "O brasileiro é assim mesmo", diz. "Esquece fácil."
Afinal, a dupla ralou durante 20 anos, de 1961 a 1981, até ser lançada por Rolando Boldrin no programa "Som Brasil", na Globo, e gravar seu primeiro LP, "Velha Morada" (WEA). E mesmo depois disso, nunca foi fácil.
Apesar da perda do irmão, o violeiro prefere falar de seus projetos, do disco solo que está preparando, e relembra com orgulho a trajetória percorrida.
O repertório mescla composições próprias, interpretações da moda de viola, da toada, da toada-canção, do "cateretê", da moda campeira, do batuque, da "marujada" e da "folia de reis", refletindo a incrível riqueza e diversidade da música rural de raízes, além de formar uma ponte com a MPB.
Mas, nem sempre é fácil encontrar nas lojas um dos 11 discos da dupla, com exceção de "Ao Vivo em Tatuí" (Kuarup) com Renato Teixeira, vencedor de um prêmio Sharp, 300 mil cópias vendidas.
Um resultado respeitável, mas ainda assim fraquinho se comparado com os números exibidos por duplas "neo-sertanejas". Estes trocaram os instrumentos autênticos por guitarras elétricas, sintetizadores, baterias programadas e gravam em Nashville e Los Angeles, injetando em seu som doses cavalares de arranjos country e pop "middle of the road", em sintonia com o modelo de "modernidade" da classe média rural ascendente, consumidora de grifes e rodeios milionários.
As diferenças são tamanhas que houve mutação de gênero, surgindo duas escolas distintas: a "oficial", calcada no country e no pop romântico americano, alimentada pelas gravadoras grandes, e a música caipira acústica, marginalizada pela imprensa e pelas rádios, empurrada para um showbiz de subsistência e de produção independente.
As grandes estrelas da música caipira hoje têm por nomes Chico Lobo, Renato Andrade, Zé Coco do Riachão, Ivan Vilela, Zé Mulato & Cassiano, Almir Sater, Pereira da Viola, Helena Meirelles e Roberto Corrêa. Daí os versos da dupla Zé Mulato & Cassiano: "Se me chamam de caipira fico até agradecido/pois falando sertanejo eu posso ser confundido".


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