São Paulo, quarta-feira, 19 de janeiro de 2005

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MÚSICA

Trompetista americano, com 12 CDs elogiados pela crítica nos últimos 14 anos, se apresenta hoje no Bourbon Street

SP recebe "nocautes jazzísticos" de Hargrove

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele tem nome de lutador de boxe, um certo jeito de lutador de boxe e um cartel de deixar seus pares com inveja. Roy Hargrove sempre ganha por nocaute. E ele nunca precisou calçar uma luva de boxe para isso.
Aos 35 anos, o músico americano derruba qualquer adversário no território do jazz, onde brilha como um dos principais "pegadores" da última década e pouco.
Detentor de alguns cinturões importantes, como vitórias das pesquisas de melhor músico de seu instrumento por revistas como "Downbeat" ou "Jazztimes", e com retrospecto de 12 discos positivos ou muito positivos nos últimos 14 anos, ele bota a boca no trompete esta noite em São Paulo.
No primeiro show imperdível de jazz na cidade deste 2005, o músico promete um repertório "novinho em folha". Esta é uma das marcas mais fortes deste texano bem-humorado. Descoberto pelo também gigante do jovem trompetismo Wynton Marsalis, Hargrove se diferenciou de seu mestre pela "variação de golpes".
Já gravou trabalhos mais tradicionais, já fez com um trio rítimico japonês um disco de temas de desenho animado, visitou as sonoridades de Cuba com o cristalino "Habana" e tem passeado pelo "groove" e funk nos últimos CDs.
O "camaleão do trompete" falou com a Folha antes do show que faria no Rio e comentou alguns assuntos polêmicos, como os "downloads" gratuitos ("eu mesmo faço") e a tendência de confinamento do jazz aos selos de pequeno porte. Leia trechos.
 

Folha - Quase sempre que se pergunta a um músico de jazz como será seu show ele responde que vai decidir um pouco antes do começo do espetáculo. Você vai decidir um pouco antes do espetáculo?
Roy Hargrove -
Você nunca sabe até a hora que você sabe (risos). OK, só sei que tudo o que vamos tocar será novinho em folha. Vou tentar algo diferente, vou expor minhas últimas descobertas.

Folha - Como você descreveria o tipo de música que você faz hoje?
Hargrove -
Mais do que a mudança do meu tipo de música desta vez tenho um grupo novo. De meu baixista [John Lee], por exemplo, sei que trabalhou na banda de Dizzy Gillespie, então talvez toquemos algo dele. O pianista é um brasileiro, o Guilherme [Vergueiro]. Deveremos usar algo dele também.
A música brasileira é um novo universo que estou descobrindo. Conheço alguns músicos, como João Gilberto, Gilberto Gil e Djavan, mas não vou muito além. Espero que este verão amplie meus horizontes sobre a música daqui.

Folha - Em cada disco seu você parece outro músico. Este "camaleonismo" é natural ou você muda por pressões de mercado?
Hargrove -
Mais importante do que mudar é crescer. A maior parte do tempo que eu gravo faço um esforço muito grande para desenvolver novos caminhos musicais. Camaleão, hahaha.

Folha - Seu "descobridor", Wynton Marsalis, é bem pouco camaleônico. Você parece olhar sempre para a frente; ele está sempre virado para a tradição. O futuro é melhor do que o passado?
Hargrove -
Eu também estou muito ligado à tradição, mas não de modo tão aderente. Acredito que a tradição é muito importante para a construção da fundação, os pilares sobre os quais você constrói sua edificação. Mas em outros aspectos sou totalmente diferente de Marsalis. Acredito que o artista tem por obrigação estar aberto.
Nos tempos em que vivemos as pessoas ficam muito em suas casas, compram coisas pelo computador, não interagem. Não há natureza, não há interesse pela camaradagem. As pessoas não se encontram, ficam todas isoladas. Minha música trabalha pela integração das pessoas e para isso é fundamental estar aberto.

Folha - Você falou em comprar coisas pelo computador. Hoje um amigo, dono de mais de mil CDs de jazz, disse que ganhou um iPod e não tem planos de comprar mais nem um disco. Você está "aberto" para esta nova realidade?
Hargrove -
É uma questão muito difícil. Eu mesmo faço downloads gratuitos, mas também compro os CDs de músicos de quem eu gosto. Se as pessoas não comprarem os discos os artistas vão ser prejudicados na outra ponta da linha. A indústria fonográfica teria de elaborar um sistema de cobrar copyrights pelos downloads, mas até agora as dezenas de gênios contratados por ela para isso não chegaram perto.

Folha - Em entrevista recente à Folha, o saxofonista Brandford Marsalis falou que a saída para o jazz estava em pequenos selos, como o que ele mesmo criou. O que você, que é de uma grande gravadora, acha disso?
Hargrove -
Esta é definitivamente a tendência do jazz. Os pequenos selos estão crescendo muito. Hoje, curiosamente, já é possível dizer que o mercado independente está se tornando o "mainstream" (corrente principal).

Folha - Uma pergunta eterna sobre o jazz é a durabilidade do gênero. Alguns defendem que ele é como o latim, uma língua morta. Outros, como Oscar Peterson, dizem que o jazz está renascendo. Qual a sua opinião sobre isso?
Hargrove -
É realmente um debate sem fim, que começou quando o jazz deixou de ser um gênero popular. Tenho certeza de que independentemente disso é um tipo de música que nunca vai sumir. Ele funciona como base para qualquer estilo. É claro que cada vez será mais difícil, como já é, ficar rico tocando jazz. Mas sempre será uma forma de expressão. A improvisação que vem do jazz é basicamente composição expontânea, é criar música a partir do ar. Se você tem a ferramenta para isso pode fazer o que mais quiser.


ROY HARGROVE. Onde: Bourbon Street Music Club (r. dos Chanés, 127, Moema, São Paulo, tel. 0/xx/11/5095-6100). Quando: hoje, às 21h e às 23h30. Quanto: R$ 75.


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