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Análise
Obras têm estabelecimento rigoroso de textos
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Para alguém que dizia
-numa das frases mais
geniais da língua que ele
tanto amou e que ajudou a reinventar- "entre a certeza decidida que eletrocuta e a fé franca
que se recusa a julgar, nasci para esta"-, fica difícil falar em
edição "definitiva" de suas
obras. O que pode ser definitivo
na vida ou na obra de Mário de
Andrade? O fato é que ele não
está mesmo mais entre nós e, se
há alguém que pode realizar algo próximo do definitivo em relação a ele, esta pessoa é Telê
Porto Ancona Lopez.
Pois é ela a organizadora destas "edições definitivas" de
"Macunaíma", "Amar, Verbo
Intransitivo" e "Os Filhos da
Candinha", pela Editora Agir,
com a colaboração de outros
especialistas. O que muda em
relação às anteriores é o estabelecimento do texto (a notação
rigorosa das várias versões elaboradas pelo autor) e os comentários dos organizadores.
Mas o mais importante, sem
dúvida, é mesmo aquilo que
não muda, ou melhor, aquilo
que está sempre em mutação.
"Macunaíma" sempre foi e
sempre será o rosto nu e ao
mesmo tempo multimascarado
desse povo, "nós (brasileiros),
que existimos pouco, demasiado pouco". E, além das personagens, o que muda e nunca
muda é a língua de Mário, para
quem não importava a vida,
mas sim viver, como ele dizia.
Uma língua sempre em estado
de acontecimento, de gerúndio.
O lançamento simultâneo
destes três livros dá conta dos
três estilos literários que Mário
dizia praticar: o heróico-poético, de "Macunaíma", o falado,
de "Belazarte" e de "Amar, Verbo Intransitivo", e o normal, de
"Os Filhos da Candinha". As
crônicas deste último, de tão
saborosas e densas, fazem a
gente ter pena de que não haja
mais espaço como antes para
que cronistas assim digam e desenvolvam livremente coisas
como: "É chegado o momento
de vos descrever minha esquina", da crônica "Esquina", em
que Mário, ao descrever a exata
geografia de onde morava, no
Rio de Janeiro, falava também
do tempo, da vida, do Brasil.
Mas talvez o que esta coleção
traga de mais precioso é uma
reunião de depoimentos, que
não estará à venda. São testemunhos de pessoas que conheceram Mário, desde Antonio
Candido e Ulysses Guimarães,
até seu vizinho de porta e seu
secretário. É aí que reponta a figura, que segundo Ulysses Guimarães, "era todo doçura, com
aqueles lábios grossos, que parecia que queria comer a vida,
deglutir a vida, era um epicurista da vida." Ou o Mário que
aconselhava a um poeta novo:
"Principalmente, não aceite."
Infelizmente, poeta, andamos aceitando muito ultimamente. Conhecer esse polígrafo
que, com insônia, ficava a tocar
recitais de Bach durante a noite, que, segundo todos que o conheceram, tinha um "coração
enorme", faz com que pensemos como Mario da Silva Brito,
que considerava absurda esta
história de querer saber se Mário é maior ou Oswald é maior.
"Os dois são o verso e o reverso
da cultura brasileira".
Dois brasileiros que existiram muito, demasiado muito e
para quem dá sempre vontade
de perguntar, como fazia Rachel de Queiroz: "Vamos conversar porcaria?"
MACUNAÍMA, O HERÓI SEM NENHUM CARÁTER (240 págs.)
OS FILHOS DA CANDINHA (192
págs.)
AMAR, VERBO INTRANSITIVO
(184 págs.)
Autor: Mário de Andrade
Editora: Agir
Quanto: R$ 34,90 (cada título)
Avaliação: ótimo
Lançamento: seg., às 19h, na Livraria
Cultura do Conjunto Nacional (av. Paulista, 2073, tel. 0/xx/11/ 3170-4033)
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