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Editor abre baú de Agrippino de Paula
Morto em 2007, o autor de "PanAmérica" e símbolo do movimento tropicalista deixou mais de 150 cadernos escritos
Neste ano, Agrippino terá seus filmes exibidos em museu de Paris; selo do Sesc também quer transformar em CD músicas do escritor
FERNANDA EZABELLA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Pérolas ou desabafos delirantes? É essa dúvida que paira na
cabeça do editor Sergio Pinto
de Almeida ao olhar três caixas
lotadas de cadernos. São textos
feitos durante décadas por José
Agrippino de Paula, figura radical dos anos 60, que morreu no
semiostracismo em 2007.
Agrippino é autor de "PanAmérica", obra seminal do tropicalismo, que misturava referências do pop americano e
personagens como Burt Lancaster. Também fez peças de
teatro, filmes experimentais,
dirigiu shows e compôs músicas, antes de ser declarado esquizofrênico e se isolar numa
casinha em Embu das Artes
(SP), nos anos 80.
Almeida espalha os cadernos
em cima de uma mesa de sua
editora, a Papagaio, responsável por resgatar a obra literária
de Agrippino a partir de 2001,
ao relançar "PanAmérica"
(1967) e "Lugar Público"
(1965), seu livro de estreia.
Temeroso, Almeida diz que
não teve coragem de ler os mais
de 150 cadernos, apenas trechos. "Posso ter uma joia, posso
não ter nada", diz. "A ideia é encontrar financiamento, um
grupo de faculdade que possa
analisar, avaliar tudo isso."
Ele soube dos cadernos em
uma entrevista que o escritor
deu para o jornalista Pedro
Bial, em 2001. Alternando momentos de lucidez e devaneio,
Agrippino dizia que já tinha 92
cadernos: "Selecionados, eles
dariam dois romances, vamos
supor, de 250 páginas. [...] Mas
eu preciso, na verdade, elaborar
a continuidade da narrativa e
reler", explica, comentando
que usou o mesmo método para criar seus livros publicados.
O escritor não poupava espaços dos cadernos universitários. Escrevia em cima das capas e nas divisórias, deixava recados para si mesmo e colava
recortes de revistas. Em alguns
trechos, há diálogos e passagens que lembram a escrita rápida e curta de "PanAmérica".
A Papagaio tem outros manuscritos de Agrippino, mas esses aguardam apenas financiamento para publicação. Além
de histórias dispersas e uma
peça censurada chamada "Nações Unidas", a editora quer
lançar o texto teatral "Rito do
Amor Selvagem", montado em
1969 com sua mulher, a coreógrafa Maria Esther Stockler, e
com Stênio Garcia no elenco.
"Confraria desorganizada"
Almeida gosta de dizer que
existe uma "confraria desorganizada" ao redor de Agrippino.
São fãs espalhados pelo país
que estudam sua obra. Há até
mesmo um estudante americano traduzindo "PanAmérica"
para o inglês há oito meses.
"Gosto do jeito como ele
aborda Hollywood, o espetáculo, como brinca com os personagens", diz John Laudenberger, 27, que mora em São Paulo
há três anos e estuda a obra de
Agrippino na PUC-SP. Ele está
na metade do livro e ainda não
tem editora para publicá-lo.
Na outra ponta dessa "confraria", está a videoartista Lucila Meirelles, que cuida da obra
cinematográfica de Agrippino.
Ela prepara para outubro ou
novembro uma mostra com os
filmes de Agrippino no Centre
Georges Pompidou, em Paris,
aproveitando que "PanAmérica" ganhou uma edição francesa no ano passado.
"Quero contextualizar as
obras de Agrippino com o cinema experimental do mundo e,
por isso, serão exibidos alguns
filmes de Jack Smith, Ron Rice,
Carolee Schneeman e outros",
disse Yann Beauvais, curador
francês que organiza a mostra
no Pompidou com Meirelles.
O principal filme a ser exibido, junto com outros curtas, é o
longa "Hitler 3º Mundo"
(1969), que traz, entre diversos
personagens bizarros, um samurai que vive nas favelas, interpretado por Jô Soares.
Meirelles também trabalha
com o Sesc para transformar
em CD uma fita com dez músicas de 1972, chamada "Exu Encruzilhada", uma doação do cineasta Hermano Penna. Além
da fita, prevista para o fim do
ano, o Sesc planeja uma exposição sobre Agrippino, com material de arquivo. "Como aquela
do Saramago", diz Meirelles,
sobre a mostra do autor português em cartaz no Instituto Tomie Ohtake.
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