São Paulo, segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

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Editor abre baú de Agrippino de Paula

Morto em 2007, o autor de "PanAmérica" e símbolo do movimento tropicalista deixou mais de 150 cadernos escritos

Neste ano, Agrippino terá seus filmes exibidos em museu de Paris; selo do Sesc também quer transformar em CD músicas do escritor

FERNANDA EZABELLA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Pérolas ou desabafos delirantes? É essa dúvida que paira na cabeça do editor Sergio Pinto de Almeida ao olhar três caixas lotadas de cadernos. São textos feitos durante décadas por José Agrippino de Paula, figura radical dos anos 60, que morreu no semiostracismo em 2007.
Agrippino é autor de "PanAmérica", obra seminal do tropicalismo, que misturava referências do pop americano e personagens como Burt Lancaster. Também fez peças de teatro, filmes experimentais, dirigiu shows e compôs músicas, antes de ser declarado esquizofrênico e se isolar numa casinha em Embu das Artes (SP), nos anos 80.
Almeida espalha os cadernos em cima de uma mesa de sua editora, a Papagaio, responsável por resgatar a obra literária de Agrippino a partir de 2001, ao relançar "PanAmérica" (1967) e "Lugar Público" (1965), seu livro de estreia.
Temeroso, Almeida diz que não teve coragem de ler os mais de 150 cadernos, apenas trechos. "Posso ter uma joia, posso não ter nada", diz. "A ideia é encontrar financiamento, um grupo de faculdade que possa analisar, avaliar tudo isso."
Ele soube dos cadernos em uma entrevista que o escritor deu para o jornalista Pedro Bial, em 2001. Alternando momentos de lucidez e devaneio, Agrippino dizia que já tinha 92 cadernos: "Selecionados, eles dariam dois romances, vamos supor, de 250 páginas. [...] Mas eu preciso, na verdade, elaborar a continuidade da narrativa e reler", explica, comentando que usou o mesmo método para criar seus livros publicados.
O escritor não poupava espaços dos cadernos universitários. Escrevia em cima das capas e nas divisórias, deixava recados para si mesmo e colava recortes de revistas. Em alguns trechos, há diálogos e passagens que lembram a escrita rápida e curta de "PanAmérica".
A Papagaio tem outros manuscritos de Agrippino, mas esses aguardam apenas financiamento para publicação. Além de histórias dispersas e uma peça censurada chamada "Nações Unidas", a editora quer lançar o texto teatral "Rito do Amor Selvagem", montado em 1969 com sua mulher, a coreógrafa Maria Esther Stockler, e com Stênio Garcia no elenco.

"Confraria desorganizada"
Almeida gosta de dizer que existe uma "confraria desorganizada" ao redor de Agrippino. São fãs espalhados pelo país que estudam sua obra. Há até mesmo um estudante americano traduzindo "PanAmérica" para o inglês há oito meses.
"Gosto do jeito como ele aborda Hollywood, o espetáculo, como brinca com os personagens", diz John Laudenberger, 27, que mora em São Paulo há três anos e estuda a obra de Agrippino na PUC-SP. Ele está na metade do livro e ainda não tem editora para publicá-lo.
Na outra ponta dessa "confraria", está a videoartista Lucila Meirelles, que cuida da obra cinematográfica de Agrippino. Ela prepara para outubro ou novembro uma mostra com os filmes de Agrippino no Centre Georges Pompidou, em Paris, aproveitando que "PanAmérica" ganhou uma edição francesa no ano passado.
"Quero contextualizar as obras de Agrippino com o cinema experimental do mundo e, por isso, serão exibidos alguns filmes de Jack Smith, Ron Rice, Carolee Schneeman e outros", disse Yann Beauvais, curador francês que organiza a mostra no Pompidou com Meirelles.
O principal filme a ser exibido, junto com outros curtas, é o longa "Hitler 3º Mundo" (1969), que traz, entre diversos personagens bizarros, um samurai que vive nas favelas, interpretado por Jô Soares.
Meirelles também trabalha com o Sesc para transformar em CD uma fita com dez músicas de 1972, chamada "Exu Encruzilhada", uma doação do cineasta Hermano Penna. Além da fita, prevista para o fim do ano, o Sesc planeja uma exposição sobre Agrippino, com material de arquivo. "Como aquela do Saramago", diz Meirelles, sobre a mostra do autor português em cartaz no Instituto Tomie Ohtake.


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