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São Paulo, quarta-feira, 19 de fevereiro de 2003

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ANÁLISE

"Mulheres" reforça opção folhetinesca

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Fugir da rotina mantendo um estado de paixão permanente é o sonho das personagens da nova novela das oito da Globo. A conversa das três irmãs protagonistas, interpretadas por Christiane Torloni, Maria Padilha e Giulia Gam, expressa o desejo empobrecido de uma época carente de grandes utopias.
O primeiro capítulo de "Mulheres Apaixonadas" foi carregado -não em efeitos especiais ou em cenas gravadas em algum distante país estrangeiro. Sem grandes novidades, a novela de Manoel Carlos aposta no hipertratamento do cotidiano da classe média alta do Rio de Janeiro.
Parto natural com direito a sangue e cordão; casamento de conveniência em grande estilo Gatsby, nos jardins de uma fazenda imponente; e velório e enterro rodrigueanos, com direito a acusações ao pai que enviuva, caixão reaberto à beira da sepultura, o filho revoltado que se despede dos lábios da mãe debaixo de chuva.
O tom pastel suave -Vinicius de Moraes em Itapoã- é bem temperado. A novela é permissiva no linguajar, na sugestão de nudez, nas relações levemente incestuosas. Helena, professora delicada, mulher do músico protagonista, patroa-comadre, expressa sua insatisfação com a rotina. Um casamento aparentemente invejável como o dela não é suficiente. Falta "tesão". Sua irmã vibra com a afirmação familiar que ecoa seus prezados "sonhos eróticos".
O apelo aos mais velhos, alvo do marketing social dirigido à terceira idade, presente no casal de velhinhos avós, vigora também na sensualidade liberada dos personagens de meia-idade.
Rico em banhos, que os "reality shows" transformaram em cenário corriqueiro, o capítulo teve Suzana Vieira na banheira, de portas abertas, assistida por fiéis empregados carpinteiros, e Tony Ramos em chuveirada regada a filosofia sobre o talento, na companhia do filho pequeno, além de Rodrigo Santoro em apaixonada despedida de solteiro.
A novela se apóia em um elenco rico em nomes da TV, do teatro e do cinema. Regina Braga e Xuxa Lopes aparecem ao lado de José Mayer e Cláudio Marzo. Santoro faz um galã mimado, desocupado, conquistador, que prestes a se casar com a garota que engravidou, força os afagos da prima (Camila Pitanga). A noiva, Paloma Duarte, é dondoca de pouca substância na vida.
Na briga pela cada vez mais difícil audiência, a nova novela reforça a opção folhetinesca que fez o sucesso do gênero no Brasil. De volta ao tempo contemporâneo, ela capta e expressa, por exemplo, a ânsia pela ampliação da representação da diversidade racial, caprichando na escalação de atores negros.
Exemplar bem realizado de uma tradição, a novela encarna as limitações de um imaginário centrado no amor romântico, que a indústria cultural se encarregou de difundir como ideal possível. A valorização do universo privado, usualmente associado ao domínio feminino, remete à mulher.
Outros títulos em exibição ou prestes a estrear na mesma emissora, como "A Casa das Sete Mulheres" e "Cidade das Mulheres", confirmam uma ênfase redundante. A insistência pode oferecer um alento momentâneo, mas o fôlego é curto. E o tédio espanta.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP


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