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MARCELO COELHO
Época de angústia
Acabou o horário de verão,
para minha tristeza; mas
acho que faço parte da minoria
nesse assunto. Muita gente reclama, até manda cartas para o jornal, só porque, durante algum
tempo, o sol começa a se pôr às oito da noite.
A anomalia, para mim, cerca-se
de cansaço e de doçura, como se o
dia quente se despedisse em grande estilo, devagar, com sobras largas de tempo. Parece-me um ganho, também, olhar no relógio e
ficar espantado com o fato de que
ainda é dia. Talvez os adversários
do horário de verão considerem
isso uma injustiça, uma fraude.
De minha parte, simpatizo mais
com o universo do "ainda" (ainda dá tempo, ainda não escureceu...) do que com as exclamações
e os sustos do "já": "Já são oito, já
estamos em fevereiro!"
Já estamos em fevereiro! O trânsito na cidade ficou terrível de novo (não que antes estivesse bom,
mas a gente se esquece de como
pode piorar) e vivemos a época,
para mim sempre traumática, da
volta às aulas.
Lembro-me da angústia com
que, em finais de janeiro, via nos
jornais de domingo os primeiros
anúncios das lojas de departamento. "Volta às aulas é no Mappin!" Desenhos de crianças de
uniforme e ofertas de material escolar ocupavam páginas e páginas. Sapatos Vulcabrás. Caderno
espiral. Caderno brochura. Meia
três quartos. Era sinistro.
Outra coisa que me deixava
doente, aliás, era o material escolar. Meu sonho era chegar, no primeiro dia de aula, já com todas as
compras feitas, com a lista de livros atendida; e isso não dava
certo nunca. Faltava o livro de
geografia; o de matemática tinha
chegado, mas todos os exemplares
já tinham sido vendidos; o de português era aquele mesmo, mas só
que da sétima série, não da sexta.
Quando tudo finalmente entrava nos eixos, já tinha perdido a
novidade. As sombras do precário, do improvisado, do "logo
mais se arranja" tiravam o brilho
do material comprado, das capas
dos livros cortando de tão novas,
das primeiras páginas da agenda,
que estalavam, intactas de lições.
Nesse quadro de angústia e prejuízo, havia, contudo, uma coisa
agradável, que era voltar para casa depois de passar muito tempo
fora de São Paulo. As férias naquele tempo eram enormes; eu ficava meses no litoral. Cito agora
outro texto de Theodor Adorno
(1903-1969), do mesmo livro de
que falei na semana passada. Peço desculpas pela repetição, mas
"Minima Moralia" fornece assunto que não acaba mais.
"A criança que volta das férias",
diz Adorno, "reencontra um
apartamento que lhe parece novo, limpo, em festa. Não é que alguma coisa tivesse mudado enquanto a criança estava fora. É
que ela simplesmente esqueceu as
obrigações que cada móvel, cada
janela, cada abajur guarda consigo. A casa reencontrou a paz do
shabat (do dia do descanso) e, durante alguns minutos, a criança
está acolhida num universo único
de quartos, de aposentos e corredores, de tal modo que a vida inteira, depois disso, parecerá mentirosa ao aparentar reproduzir essa sensação."
O filósofo marxista continua:
"Não será de outro modo que, um
dia, o mundo irá aparecer, quase
inalterado, sob a luz perene de
um feriado, quando não estiver
mais submetido à lei do trabalho;
para os que chegarem de novo em
casa, a lição de casa será fácil como uma brincadeira das férias".
Eis um dos raros momentos
utópicos na obra de um filósofo
geralmente tido por muito pessimista. A imagem dos móveis e dos
objetos "em paz", liberados da associação que habitualmente
mantêm com os deveres e com o
trabalho, é bem a de um mundo
de conto de fadas, em que as coisas parecem ter vida própria e fingem ignorar nossa presença.
É provável que toda criança tenha tido a impressão (não lembro
se o próprio Adorno não fala nisso) de que, fechando a porta, todas as coisas de um quarto começam a se mover, dançam como
num desenho animado e que só
retornam à quietude se novamente olhamos para elas. Um
pouco como se fossem alunos fazendo bagunça na ausência do
professor. E, quando abrimos de
novo a porta do quarto, as coisas,
embora silenciosas e imobilizadas, ainda parecem reprimir um
risinho; mostram um bom comportamento que mal segura a euforia que elas encontravam no fato de existir.
Esse risinho secreto é, sem dúvida, o equivalente fantástico do
prazer que, inconscientemente,
encontramos ao reconhecer as
coisas como são. Imagino o que
seja para um bebê, por exemplo,
deparar-se com um brinquedo colorido (o mesmo de ontem e de
anteontem) e sentir intensamente
que aquele brinquedo é... o mesmo!
Imagino que o bebê, embora
sinta que o brinquedo é o mesmo,
não sabe, não tem instrumentos
intelectuais para lidar com a
identidade do que vê. Talvez sinta uma duplicação, uma triplicação do objeto não no espaço, mas
no tempo... Mais ainda: como o
bebê não tem palavras, seu espanto mudo diante da não-novidade
se transfere para o brinquedo, para a coisa; então, é como se aquele
carrinho, aquele boneco, aquela
caixa de plástico amarela, azul e
vermelha falassem em seu lugar.
O que estariam falando? Não
temos como reproduzir isso em
linguagem; mas sabemos o que é.
Antes que este artigo fique metafísico demais, termino com um
comentário rápido.
Esse mundo do conto de fadas,
dos objetos que se movem sozinhos e estão prontos para nos servir, é também o mundo da tecnologia. Só que, em vez de liberadas,
as pessoas parecem cada vez mais
presas a seus compromissos e deveres. As férias, certamente, não
começaram ainda.
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