São Paulo, quinta-feira, 19 de fevereiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTES PLÁSTICAS

Projeto de intervenção espacial, previsto para 2006, deve ocupar região entre Belo Horizonte e Vitória

Arte/Cidade fará escala no Vale do Aço

Divulgação
Trem carregado com minério de ferro da Companhia do Vale do Rio Doce passa por encosta na saída de Itabira em direção a Vitória, na estrada de ferro Vitória-Minas


LUCRECIA ZAPPI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

São 1.000 quilômetros de utopia. A maior região de mineração do país, à beira da linha do trem que liga Belo Horizonte a Vitória, concentra um dos mais extensos parques siderúrgicos do mundo. Dentro de dois anos, vai ser o cenário do próximo Arte/Cidade.
O quinto projeto da série, criado e desenvolvido por Nelson Brissac, é o primeiro a sair da cidade e explorar uma paisagem que oscila entre hiper-realismo e ficção científica. De natural não há mais nada. Brissac não busca o idílico nas Gerais, mas sim uma natureza transformada pela mão do homem. Montanhas inteiras são implodidas na busca do minério de ferro para produzir o aço, matéria-prima das cidades.
Cria-se um ciclo sem fim, porque o Arte/Cidade, ao se deslocar para fora do espaço urbano, encontra na natureza uma nova cidade em potencial, transformada pela cultura. Essa união, por mais contraditória que possa parecer, não está não muito distante do escultor alemão Max Bill que, ao apresentar na primeira Bienal de São Paulo, em 1951, uma fita de Moebius feita de aço, incorporava o antigo sonho da Escola Bahuaus de unir a arte com a indústria.
"Isso aqui virou uma grande plataforma de exportação e integração globalizada. É de uma beleza extraordinária e, ao mesmo tempo, de uma brutalidade industrial com impactos urbanos e sociais inimagináveis", diz o organizador, que define a região como uma "espécie de concentração de toda a potência e todo o desastre em sua grande escala".
Após um ano de mapeamento da região, o projeto passa para a fase de "reconhecimento de território", por parte de arquitetos e artistas. No dia 12 de abril desembarcam 20 arquitetos pesquisadores do IAAC (Instituto de Arquitetura Avançada da Catalunha), um dos mais bem-conceituados do mundo, para estudar a o território.
Em junho, num intercâmbio dentro do Arte/Cidade que, por enquanto se chama "MG-ES: Um Sistema Infraestrutural", o IAAC recebe na Espanha o mesmo número de pesquisadores brasileiros vinculados às faculdades de arquitetura da Unileste, em Ipatinga (MG), Universidade Federal do Espírito Santo e a Universidade Federal de Minas Gerais.
Nessas faculdades brasileiras Brissac tem organizado cursos ligados à investigação de territórios em grande escala e o desenvolvimento de projetos para essas situações urbanísticas complexas.
Ele diz ter sido fundamental lançar cursos nessa preparação porque conseguiu concentrar uma série de alunos-pesquisadores interessados no Arte/ Cidade.
"Convidamos gente de bancos de desenvolvimento e gerentes das empresas para que apresentem as estratégias de desenvolvimento das ferrovias, dos sistemas de comunicação etc, fundamental para entender a dinâmica do território, marcada pela estrutura rígida das operações das empresas", diz. Brissac também é professor de Comunicação e Semiótica na PUC, em São Paulo.
Um dos pontos inéditos do Arte/Cidade é ampliar a discussão das novas possibilidades arquitetônicas no Brasil. "A arquitetura brasileira tem um repertório construído em cima dos anos 60. A herança modernista é tão forte que a gente ainda não consegue equacioná-la com as novas condições urbanas. Nós não temos um repertório para lidar com os grandes territórios e suas cidades, e o Brasil é isso, não é um paiseco".
A vinda do IAAC está marcada por três visitas-chaves. Vão à cidade histórica de Itabira, por ser um importante centro de exploração do quadrilátero ferrífero, para o vale do Aço, onde há a concentração de grandes siderúrgicas brasileiras, e para a Grande Vitória, em especial o município de Serra, com o porto de Tubarão, região que tem crescido vertiginosamente com ocupações irregulares e é uma nova concentração de trabalhadores.
"A idéia é fugir de uma abordagem apenas intuitiva da região, porque aí os projetos perdem intensidade. O que importa é fazer uma interação no processo de trabalho dos artistas e dos arquitetos com as empresas e as prefeituras para ter informação e aporte técnico e logístico", diz Brissac. É através desse intercâmbio que o organizador conta com "um ganho técnico" para os artistas e arquitetos envolvidos no projeto.
Até agora, o apoio ao "MG-ES -Um Sistema Infraestrutural" vem da Companhia Vale do Rio Doce, da Usiminas, da Companhia de Docas do ES e do Banco de Desenvolvimento do ES, através do fornecimento de recursos para o desenvolvimento da pesquisa, como reuniões, workshops e a vinda do IAAC.

Escala
Mas, num território tão extenso, como visitar as "obras" em 2006? Já em 2002, quando o Arte/Cidade ocupou o bairro Belenzinho em São Paulo, essa questão da escala já havia sido levantada. "Ficou decidido que não iríamos colocar à disposição dos visitantes ônibus para que não ficasse impressa a idéia de turismo cultural. Aqui também não vai ter isso. Espero que as pessoas visitem a região pontualmente, não tudo."
Por onde começar? Pela histórica Itabira? Brissac faz, no mínimo, uma descrição curiosa da cidade: "Ela fica na encosta de um morro de minério de ferro. Você olha para cima e vê o morro sendo escavado e implodido de cima para baixo todos os dias. É uma cena "Blade Runner". É a coisa mais próxima do fim do mundo e, ao mesmo tempo, extremamente potente e transformador."


Texto Anterior: Teatro/crítica: Montagem de "Solo de Sax" desautoriza Bortolotto
Próximo Texto: Saiba mais: Em dez anos, projeto teve quatro edições
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.