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TEATRO/CRÍTICA
Montagem de "Solo de Sax" desautoriza Bortolotto
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
As intenções não poderiam
ter sido melhores. No auge
de seu prestígio, merecendo um
público fiel, Raul Cortez quis encenar Mário Bortolotto, um autor
consagrado no teatro alternativo
mas que teve poucas chances de
ser visto no circuito comercial. Ao
prazer de misturar rótulos Cortez
acrescentou o de correr riscos: "À
Meia Noite, um Solo de Sax na
Minha Cabeça", texto de juventude de Bortolotto ainda inédito em
São Paulo, que traça a trajetória
de uma amizade do berçário à
maturidade, embora bastante inferior à atual produção do autor, é
um divertido desafio para uma
dupla de atores.
Cortez chamou para brincar
com ele outro grande e experiente
ator, Mário César Camargo. Sendo a peça curta, quis abrir o espetáculo com mais um texto, "Fica
Frio", no qual faz apenas pontas,
cedendo a ribalta a dois jovens
atores -e convidou dois diretores da nova geração, Sérgio Ferrara para a primeira peça, Cibele
Forjaz para a segunda.
Infelizmente, a generosidade de
Cortez não bastou. Sem querer
aprisionar Bortolotto em um gueto do teatro alternativo, é preciso
constatar que seus textos dependem de uma visceralidade de
atuação que compense a precariedade de recursos que caracteriza
as produções do seu grupo Cemitério de Automóveis. Não se trata
de um elogio à pureza ideológica
de um teatro pobre: Bortolotto só
tem a ganhar com mais recursos.
Mas não com esses textos.
Renato Chocair, que faz Fernando, o assaltante pé-rapado em
fuga de "Fica Frio", não convence
como badboy. Mais para bom
moço, não faz o contraponto necessário com seu irmão Maurício,
que tenta resgatá-lo para o bom
caminho -e seu intérprete, Chico Carvalho, embora com grande
limpeza de marcas e intenções,
não se arrisca além do convencional. Por outro lado, os ganhos de
uma embalagem mais esmerada
da montagem não convencem: o
cenário, por excesso de engenhosidade, disputa o foco com os atores, e a iluminação ainda deixava
na primeira semana muitas sombras nos rostos dos atores. Precária e sem brilho, a peça parece retratar adolescentes brincando de
seriado americano em um apartamento de classe média, o que não
serve à causa de Bortolotto.
Por isso, é um alívio quando
Cortez surge dizendo: "deixa comigo", em uma pequena participação como policial: a juventude
entra em cena, em um prenúncio
do que será a segunda peça.
De fato, em "Solo de Sax" Cortez e Camargo se divertem muito,
sem muito compromisso, ultrapassando com galhardia o constrangimento de se ver adultos em
papel de criança. Esse clima "Chaves", no entanto, não se desfaz, e o
cinismo do jovem Bortolotto acaba soando estranhamente como
um besteirol aos ouvidos da platéia do teatro Faap, que ainda se
choca com palavrões e que, vindo
por Cortez, não se deixa convencer pelo texto, que já não representa mais o que o autor mostra
em seu teatro Alfredo Mesquita.
Desautorizando o autor, o espetáculo se limita a um exercício que
também fica aquém do grande talento de Raul Cortez.
Fica Frio / À Meia Noite, um Solo
de Sax na Minha Cabeça
Texto: Mário Bortolotto
Direção: Cibele Forjaz e Sérgio Ferrara
Com: Raul Cortez, Mário César Camargo
Onde: teatro Faap (r. Alagoas, 903, SP,
tel. 0/xx/11/3662-7233)
Quando: qui. a sáb., às 21h; dom., às 19h
Quanto: de R$ 40 a R$ 50
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