São Paulo, quinta-feira, 19 de fevereiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TEATRO/CRÍTICA

Montagem de "Solo de Sax" desautoriza Bortolotto

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

As intenções não poderiam ter sido melhores. No auge de seu prestígio, merecendo um público fiel, Raul Cortez quis encenar Mário Bortolotto, um autor consagrado no teatro alternativo mas que teve poucas chances de ser visto no circuito comercial. Ao prazer de misturar rótulos Cortez acrescentou o de correr riscos: "À Meia Noite, um Solo de Sax na Minha Cabeça", texto de juventude de Bortolotto ainda inédito em São Paulo, que traça a trajetória de uma amizade do berçário à maturidade, embora bastante inferior à atual produção do autor, é um divertido desafio para uma dupla de atores.
Cortez chamou para brincar com ele outro grande e experiente ator, Mário César Camargo. Sendo a peça curta, quis abrir o espetáculo com mais um texto, "Fica Frio", no qual faz apenas pontas, cedendo a ribalta a dois jovens atores -e convidou dois diretores da nova geração, Sérgio Ferrara para a primeira peça, Cibele Forjaz para a segunda.
Infelizmente, a generosidade de Cortez não bastou. Sem querer aprisionar Bortolotto em um gueto do teatro alternativo, é preciso constatar que seus textos dependem de uma visceralidade de atuação que compense a precariedade de recursos que caracteriza as produções do seu grupo Cemitério de Automóveis. Não se trata de um elogio à pureza ideológica de um teatro pobre: Bortolotto só tem a ganhar com mais recursos. Mas não com esses textos.
Renato Chocair, que faz Fernando, o assaltante pé-rapado em fuga de "Fica Frio", não convence como badboy. Mais para bom moço, não faz o contraponto necessário com seu irmão Maurício, que tenta resgatá-lo para o bom caminho -e seu intérprete, Chico Carvalho, embora com grande limpeza de marcas e intenções, não se arrisca além do convencional. Por outro lado, os ganhos de uma embalagem mais esmerada da montagem não convencem: o cenário, por excesso de engenhosidade, disputa o foco com os atores, e a iluminação ainda deixava na primeira semana muitas sombras nos rostos dos atores. Precária e sem brilho, a peça parece retratar adolescentes brincando de seriado americano em um apartamento de classe média, o que não serve à causa de Bortolotto.
Por isso, é um alívio quando Cortez surge dizendo: "deixa comigo", em uma pequena participação como policial: a juventude entra em cena, em um prenúncio do que será a segunda peça.
De fato, em "Solo de Sax" Cortez e Camargo se divertem muito, sem muito compromisso, ultrapassando com galhardia o constrangimento de se ver adultos em papel de criança. Esse clima "Chaves", no entanto, não se desfaz, e o cinismo do jovem Bortolotto acaba soando estranhamente como um besteirol aos ouvidos da platéia do teatro Faap, que ainda se choca com palavrões e que, vindo por Cortez, não se deixa convencer pelo texto, que já não representa mais o que o autor mostra em seu teatro Alfredo Mesquita. Desautorizando o autor, o espetáculo se limita a um exercício que também fica aquém do grande talento de Raul Cortez.


Fica Frio / À Meia Noite, um Solo de Sax na Minha Cabeça
  
Texto: Mário Bortolotto
Direção: Cibele Forjaz e Sérgio Ferrara
Com: Raul Cortez, Mário César Camargo
Onde: teatro Faap (r. Alagoas, 903, SP, tel. 0/xx/11/3662-7233)
Quando: qui. a sáb., às 21h; dom., às 19h
Quanto: de R$ 40 a R$ 50



Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Artes plásticas: Arte/Cidade fará escala no Vale do Aço
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.