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GUILHERME WISNIK
O "bode" revisitado
Nova York revê Robert Moses, responsável por ícones da cidade e associado à brutalidade arquitetônica
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NOVA YORK realiza uma extensa revisão do legado de um
dos seus maiores personagens. Trata-se da exposição "Robert
Moses and the Modern City", organizada pela Columbia University em
três museus simultaneamente. Moses é uma figura controversa e pode
ser tomado como um ícone da autoconfiança americana do pós-guerra,
à altura de outro Robert igualmente
famoso: McNamara. Criador das auto-estradas urbanas, Moses polarizou intensas disputas com ativistas
comunitários nos anos 60, como a
urbanista Jane Jacobs, que defendiam a preservação de bairros históricos e um pensamento mais voltado para a pequena escala.
Atravessando quatro décadas na
administração pública (1934 e
1968), Moses é responsável por uma
infinidade de ícones nova-iorquinos, como as pontes Triborough,
Verrazano-Narrows, o túnel
Brooklyn-Battery, e as "parkways"
Henry Hudson, Grand Central e
Cross Island. Além disso, construiu
as praias de Jones e Orchard, o aeroporto JFK e uma enorme rede de
usinas hidrelétricas em torno das
cataratas do Niágara. Recuperando
mais de 1.500 parques, criou o amado Riverside Park, e um conjunto de
23 piscinas públicas em diferentes
bairros da cidade.
Contudo, sua imagem ficou menos associada a essas obras, tributárias do humanismo do "New Deal",
do que à brutalidade desumana de
suas intervenções dos anos 50 e 60,
como a via expressa Cross-Bronx,
que cortou o bairro ao meio, reduzindo o seu entorno a montes de
construções carbonizadas. Essa é a
descrição feita por Robert Caro em
"The Power Broker" ("o intermediário do poder"), biografia lançada
em 1974 que serve de base à análise
de Marshall Berman em "Tudo que
É Sólido Desmancha no Ar" (Companhia das Letras, 1986). Para Berman, Moses é o Fausto encarnado, a
personificação do "mundo da via expressa", estágio predatório da modernidade que devora suas conquistas anteriores, transformando-as
em toneladas de cimento e fumaça.
Tanto Caro quanto Berman adotam uma perspectiva jacobsiana,
muito em voga durante a crise econômica dos anos 70 e 80. A presente
exposição, por outro lado, pretende
revisar essa leitura, lançando luz sobre a inteligência infra-estrutural do
planejador. Esse é também o ponto
de vista defendido pelo crítico Paul
Goldberger nas páginas da "New
Yorker" (5/2/2007), para quem é
impossível não sentir hoje, em plena
"era da participação", uma certa
nostalgia pelo seu método de trabalho. Veja-se o caso do Ground Zero
(terreno do World Trade Center),
cujo destino é incerto há mais de
cinco anos, dadas as disputas infinitas entre comunidades, comissões
de planejamento, tribunais etc.
Para Nova York, Moses é o pai que
virou "bode", e começa a ser recuperado. Já para nós, é impossível traduzir a complexidade dessa figura.
Mal comparando, é como se o criador do parque D. Pedro tivesse, décadas depois, sufocado e retalhado a
obra com sucessivas avenidas, alças
e viadutos. Se assim fosse, talvez nós
já tivéssemos sido capazes de demolir alguns "minhocões", na forma de
um desrecalque necessário.
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