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LIVROS
ROMANCE
Livro vencedor do Booker Prize de 1972 ecoa movimento de maio de 68
Para "G.", de John Berger, a liberdade depende do desejo
BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA
"G.", vencedor do prestigioso
Booker Prize de 1972, é o romance
mais conhecido do inglês John
Berger, escritor e crítico de arte de
inspiração marxista, nascido em
1926. É um livro muito cioso das
relações entre o indivíduo e o plano histórico, tanto que a vida privada do herói e os movimentos
sociais a sua volta estão em permanente conexão ao longo de toda a narrativa, mesmo quando
não há nenhuma ligação mais direta ou consciente entre eles.
G. é o filho bastardo de um rico
comerciante italiano e de uma
americana que se torna sua
amante. O romance conta a saga
do herói desde o nascimento até a
morte, e sobretudo as suas experiências sexuais e amorosas, tendo como pano de fundo os grandes movimentos sociais na Europa do final do século 19 e início do
século 20, passando pela revolta
dos bôeres na África do Sul e chegando até a Primeira Guerra.
O entusiasmo romântico do comerciante italiano, por exemplo,
quando descreve à amante americana a grandiosidade de um túnel,
é logo contraposto à luz da intervenção histórica do narrador: "O
túnel St. Gothard foi inaugurado
em 1882. Oitocentos homens perderam a vida em sua construção".
Da mesma forma, as sublevações sociais e a imagem de um
aviador pioneiro, que caiu depois
de transpor a pior parte do seu desafio, a travessia aérea dos Alpes,
em 1910, servem como contrapontos históricos para as conquistas amorosas e sexuais do
protagonista.
Ecoando o momento em que foi
escrito (entre o final dos anos 60 e
o início dos 70), o romance defende a idéia de que a liberdade passa
necessariamente pelo desejo. A
maior contradição do burguês,
segundo o narrador, é ansiar a liberdade (sexual e individual) que
é o contrário da ordem de valores
(sociais e morais) que ele precisa
defender para a sua sobrevivência
de privilegiado.
A revolução tem que levar em
conta o desejo, que é alternativa
ao mundo hierarquizado. Nesse
sentido, John Berger termina por
fazer a celebração da mulher como ideal: "Uma ereção é o início
de um processo de idealização total". A mulher e o ato sexual seriam refratários às tentativas de
representação da literatura. Neles
estaria todo o mistério do que não
pode ser descrito, do que é absolutamente singular: "Todas as generalizações se opõem à sexualidade".
O curioso é que Berger diz tudo
o que se passa na cabeça dos personagens -e isso acaba deixando
o leitor com a impressão de que a
celebração do mistério e das singularidades é só da boca para fora.
O narrador tem opinião sobre tudo e não perde nenhuma oportunidade para fazer reflexões sobre
os sentimentos e as sensações dos
personagens. Suas descrições psicológicas são minuciosas e precisas. Embora queira pintar as mulheres como seres misteriosos, revela tudo o que sentem, como se
pudesse ver através delas. Ao contrário do que pontifica, não se vê
opacidade no romance, só transparência. Seu discurso quer fazer
o elogio do particular, só que por
meio de generalizações, e do irrepresentável por meio de representações.
G.
Autor: John Berger
Tradução: Roberto Grey
Editora: Rocco
Quanto: R$ 38 (342 págs.)
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