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DRAMA
Longa-metragem de 1979 de Bernardo Bertolucci ganha edição especial
"La Luna" sobrevive como um estudo freudiano radical
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
O cineasta italiano Bernardo Bertolucci conta que uma
das imagens mais fortes guardadas por ele da primeira infância,
talvez a mais antiga, é a de um
passeio de carro. O bebê que depois dirigiria "O Último Tango
em Paris" (1972) estava no colo da
mãe, entre ela e o volante, de costas para a estrada. Lá em cima, a
Lua.
"Lembro que o jovem rosto de
minha mãe se confundia com o
velho rosto da Lua. Interpreto essa lembrança como um sonho",
diz Bertolucci no documentário
incluído no material extra da edição especial em DVD de "La Luna" (1979). A cena é recriada no
início do filme, com uma bicicleta
no lugar do carro.
As entrevistas e cenas de bastidores somam 52 minutos e fazem
um sobrevôo na carreira do cineasta, da estréia em "La Commare Secca" (61) até o relativamente
modesto projeto para a TV que
terminou em pequena obra-prima,"Assédio" (98). Nada de "Os
Sonhadores" (2003).
De "La Luna", especificamente,
fala-se pouco, mas o bastante para entender a natureza da idéia
inicial, que se traduz já nas primeiras imagens, de ostensivo fundo freudiano. Primeiro, a mãe (Jill
Clayburgh) lambe o mel que escorre pelo corpo do filho, ainda
um bebê.
Depois, o bebê chora desesperadamente ao ver o prazer da mãe
em dançar, num belíssimo terraço à beira-mar, com "outro" -o
pai, presume-se. Quando o filme
os reencontra bem mais tarde, bebê transformado em adolescente
(Matthew Barry), já não há o "outro", agora morto. Só os dois, perambulando pela Itália enquanto
a mãe, atriz americana, estrela
uma ópera de Verdi.
Polêmica
Sim, o detector social de escândalos aponta "incesto" desde o
rumoroso lançamento do filme
nos cinemas. À época, considerava-se que Bertolucci retomava o
caminho polêmico de "O Último
Tango" depois de um intervalo
épico comunista, "1900" (1976).
Quase 30 anos depois, "La Luna" sobrevive menos como gerador de incômodo e mais como
um estudo radical das relações
entre mãe e filho.
O tom é bem mais doloroso e
sombrio do que em "Sopro no
Coração" (1970), do francês Louis
Malle, que também ambienta em
cenário social burguês abordagem semelhante do tema -embora o que mãe e filho acabem fazendo ali tenha outra espécie de
motivação e repercussão na vida
de ambos. Malle fez um filme solar, radiante no final em seu prazer pela vida; Bertolucci dedica-se
a quartos mais escuros, com sentido às vezes solene de tragédia.
Ama-se e odeia-se com intensidade e dor. E a mãe, coadjuvante
em "Sopro no Coração", assume
o posto de co-protagonista em
"La Luna", como se Bertolucci retornasse à imagem onírica da infância para especular o que passava naquele momento pela cabeça
e pelo coração da jovem Lua ao
volante do carro. Amava-me incondicionalmente, não?
La Luna (edição especial)
Diretor: Bernardo Bertolucci
Distribuidora: Versátil (R$ 37,50, em
média)
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