São Paulo, domingo, 19 de março de 2006

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DRAMA

Longa-metragem de 1979 de Bernardo Bertolucci ganha edição especial

"La Luna" sobrevive como um estudo freudiano radical

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

O cineasta italiano Bernardo Bertolucci conta que uma das imagens mais fortes guardadas por ele da primeira infância, talvez a mais antiga, é a de um passeio de carro. O bebê que depois dirigiria "O Último Tango em Paris" (1972) estava no colo da mãe, entre ela e o volante, de costas para a estrada. Lá em cima, a Lua.
"Lembro que o jovem rosto de minha mãe se confundia com o velho rosto da Lua. Interpreto essa lembrança como um sonho", diz Bertolucci no documentário incluído no material extra da edição especial em DVD de "La Luna" (1979). A cena é recriada no início do filme, com uma bicicleta no lugar do carro.
As entrevistas e cenas de bastidores somam 52 minutos e fazem um sobrevôo na carreira do cineasta, da estréia em "La Commare Secca" (61) até o relativamente modesto projeto para a TV que terminou em pequena obra-prima,"Assédio" (98). Nada de "Os Sonhadores" (2003).
De "La Luna", especificamente, fala-se pouco, mas o bastante para entender a natureza da idéia inicial, que se traduz já nas primeiras imagens, de ostensivo fundo freudiano. Primeiro, a mãe (Jill Clayburgh) lambe o mel que escorre pelo corpo do filho, ainda um bebê.
Depois, o bebê chora desesperadamente ao ver o prazer da mãe em dançar, num belíssimo terraço à beira-mar, com "outro" -o pai, presume-se. Quando o filme os reencontra bem mais tarde, bebê transformado em adolescente (Matthew Barry), já não há o "outro", agora morto. Só os dois, perambulando pela Itália enquanto a mãe, atriz americana, estrela uma ópera de Verdi.

Polêmica
Sim, o detector social de escândalos aponta "incesto" desde o rumoroso lançamento do filme nos cinemas. À época, considerava-se que Bertolucci retomava o caminho polêmico de "O Último Tango" depois de um intervalo épico comunista, "1900" (1976).
Quase 30 anos depois, "La Luna" sobrevive menos como gerador de incômodo e mais como um estudo radical das relações entre mãe e filho.
O tom é bem mais doloroso e sombrio do que em "Sopro no Coração" (1970), do francês Louis Malle, que também ambienta em cenário social burguês abordagem semelhante do tema -embora o que mãe e filho acabem fazendo ali tenha outra espécie de motivação e repercussão na vida de ambos. Malle fez um filme solar, radiante no final em seu prazer pela vida; Bertolucci dedica-se a quartos mais escuros, com sentido às vezes solene de tragédia.
Ama-se e odeia-se com intensidade e dor. E a mãe, coadjuvante em "Sopro no Coração", assume o posto de co-protagonista em "La Luna", como se Bertolucci retornasse à imagem onírica da infância para especular o que passava naquele momento pela cabeça e pelo coração da jovem Lua ao volante do carro. Amava-me incondicionalmente, não?


La Luna (edição especial)
   
Diretor:
Bernardo Bertolucci
Distribuidora: Versátil (R$ 37,50, em média)



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