São Paulo, sexta-feira, 19 de março de 2010

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Montagem beira teatro do absurdo de Beckett

Ópera Seca estreia em Curitiba "Travesties", primeira peça sem Gerald Thomas

Texto do britânico Tom Stoppard traz lembranças de encontro entre Lênin, Tristan Tzara e James Joyce em Zurique, em 1917


GUSTAVO FIORATTI
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

"Travesties" não é uma peça fácil, diz Caetano Vilela, braço direito de Gerald Thomas na Companhia de Ópera Seca. Ele dirige o grupo pela primeira vez para montar o texto do britânico Tom Stoppard -com estreia hoje, às 21h, e reprise amanhã, às 21h, em Curitiba. As dificuldades começam pela rejeição do título entre possíveis patrocinadores. "Muita gente via o nome e, de cara, falava "não".
Até pensamos em outras traduções", conta Vilela. Daria uma boa discussão sobre preconceito, mas não é o caso. A peça sequer fala sobre homens que se vestem de mulher ou que colocam peitos de silicone. A palavra "Travesties" se refere a um tipo de encenação burlesca e caricatural -ok, peruca vale, então- ,que hoje muita gente conhece por "farsa". Os quiproquós das peças de Oscar Wilde, por exemplo, são diretamente mencionados.
Segundo ponto de dificuldade: o texto traz esse semblante da farsa -gênero cômico e popular por natureza- de forma verborrágica e labiríntica. A história segue as lembranças de um funcionário da embaixada britânica em Zurique, Henry Carr, sobre um encontro entre o revolucionário Lênin (1870-1924), o precursor do dadaísmo Tristan Tzara (1896-1963) e o escritor James Joyce (1882-1941) naquela cidade, em 1917.
Henry Carr não é um personagem inventado, e os outros três de fato viveram em Zurique no período, embora não haja registros do encontro. "Stoppard escolheu a personalidade menos expressiva e menos talentosa para colocar no centro do enredo", diz Vilela.

Gaveta
A memória de Carr dá voltas, retorna a cenas já visitadas, trai-se o tempo todo. Resta ao espectador embarcar não numa trama de detalhes históricos, mas numa ficção, que, com a Ópera Seca, pende para o teatro absurdo de Samuel Beckett. "Lênin começa a peça saindo da gaveta", ilustra Vilela, que mantém a linguagem imagética de Gerald Thomas.
A base da encenação ainda traz referências de óperas, com cenário de William Pereira, já habituado ao gênero como cenógrafo e diretor. Talvez, no entanto, com um pouco mais de liberdade. A referência no texto a uma biblioteca em cena, logo no primeiro ato da peça, foi representada por uma chuva de livros. Seiscentas unidades, no total, caem ao palco para depois continuarem em cena, só que suspensas por fios.
O diretor Vilela também tem sua bagagem abastecida no mundo da ópera. Por 11 anos, esteve à frente do Festival Amazonas de Ópera (FAO). E dirige óperas desde 2002, entre elas, "Lady Macbeth of the Mtsensk District" (Shostakovitch) e "Ça Ira", de Roger Waters, ex-Pink Floyd.
Não é um cara polêmico como Gerald Thomas, que já desdenhou do Festival de Curitiba em um apresentação no próprio evento, em 2000. "Prefiro usar minha energia no palco, e não fora dele", brinca Vilela.

O jornalista GUSTAVO FIORATTI viaja a convite da organização do Festival de Curitiba



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