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MARCELO COELHO
500 anos são macumba para turista
Pessoalmente não tenho nada
contra o ministro Rafael Greca,
mas acho saboroso o fato de que
seja ele, meio com a corda no pescoço, o mestre de cerimônias na
comemoração dos 500 anos do
Descobrimento.
Trêfego, festeiro, dispensável e,
sobretudo, cortesão, temos aqui
uma espécie de Joãosinho Trinta
do qual se eliminou o caráter popular; Greca representa o oficialismo em calças curtas. A frivolidade, talvez o maior defeito pessoal de Fernando Henrique, adquire em Greca um tom mais espontâneo, menos enrolador.
Pobre ministro! Os comentários
políticos, como os relógios da rede
Globo, fazem a contagem regressiva de sua permanência no cargo.
É um Tiradentes no papel de rei
Momo.
Não queria ser cruel. Acabei
sendo um pouco; mas a mistura
de Momo e Tiradentes talvez ilustre, sem que Rafael Greca esteja
consciente disso, o espírito das comemorações.
Pois tudo o que há de trágico na
história brasileira está sendo negado neste momento. Os portugueses enforcaram Tiradentes;
nestes 500 anos, homenageamos
os portugueses. Mas de forma
muito pouco lusitana, isto é, pouco cerimoniosa, pouco ressentida.
Num Carnaval que só não é babaca por que sabe estar sendo babaca, celebra-se a identidade da
raça, reúne-se um contingente de
índios e caravelas, escreve-se sobre o assunto. O tema da culpa
dos brancos é agitado -houve escravidão, houve massacres, sabemos-, mas é agitado como o chocalho de um índio charlatão, num
exorcismo fictício. Isso é que é sincretismo.
Tenho vários pontos a comentar. O primeiro é a célebre miscigenação, o mito do país mestiço
etc. Será que Brizola é mestiço?
Ou Garotinho? Vá ao Gallery. Há
algum mestiço ali?
Fora FHC -que brinca de ter
pé na cozinha, mas tem a cabeça
em Washington, como uma espécie de Macunaíma ao contrário,
já que Macunaíma era branco só
na sola dos pés-, onde estão os
mestiços no poder? Reconheço em
Malan um rosto de impassibilidade incaica, perdido em neves andinas; mas Fraga e Serra, ACM e
José Gregori... onde está a nossa
democracia racial? Em Inocêncio
e Jader, talvez. Mas os mármores
brancos de Brasília dominam a
galeria das nossas efígies republicanas. No máximo, porque ninguém é de mármore, colorem-se
de um barroco rubicundo: volto a
Grecca e a Weffort.
O segundo ponto a comentar é
que, em meio à falsidade da mestiçagem, dá-se o elogio de Portugal. A maior conclusão de todas as
pesquisas em torno do Descobrimento tem sido, a meu ver, a de
que os portugueses eram uma espécie de americanos; de que a Escola de Sagres (que nunca existiu)
foi algo como o Silicon Valley do
século 16. Vanguarda tecnológica
da navegação.
Paradoxalmente, isso resulta
em auto-estima para os brasileiros. Não fomos colonizados pela
escória da Europa, mas por um
povo inteligente.
Essa tentativa de nobilitação
histórica pode ter raízes verdadeiras, mas não é inocente. O fato é
que comemoramos 500 anos num
momento de extrema desnacionalização da economia. Considerar Portugal uma vanguarda técnica em 1500 significa também
aceitar a dominação americana
no ano 2000. É fazer do Brasil,
menos que um país, uma antena
receptora de modernidades sucessivas.
Claro que, contra essa oculta
ideologia da passividade, enfatiza-se a identidade nacional. O
blablablá da especificidade brasileira. Sem isso, não haveria motivo para festas.
Ignora-se, entretanto, que globalização e ênfase na identidade
nacional não são termos excludentes. Qualquer produto "étnico" vende bem no mercado de discos, por exemplo. A homogeneização prejudica a indústria cultural;
de Zé Carioca a Aladin, a Disney
sabe disso.
O importante, pois, é fazer da
"brasilidade" um espetáculo inócuo e apto ao consumo. O turismo
é uma das grandes indústrias hoje
em dia. CDs de Caymmi ou de
Marisa Monte vendem bem em
Bruxelas e Vancouver.
Nós mesmos, brasileiros pouco
ou nada mestiços, consumimos o
Brasil turisticamente. Há um derretimento tropical de nossa parte
diante da opressão estrangeira,
porque assim se açucara a opressão nacional sobre o povo feliz
que oprimimos.
No fundo, todo o festejo em torno da "nacionalidade" é exatamente simétrico ao fato de não
haver projeto nacional em curso.
Se os 500 anos do Brasil estivessem sendo comemorados em 1960,
por exemplo, o tema da industrialização apareceria de modo épico,
com seus mártires, utopias etc.
Que aquele projeto -o da industrialização- foi falso, não
preciso dizer. Acentuou nossa dependência externa. O resultado é
que comemoramos os 500 anos
como se não fosse problema nosso.
Pura macumba para turista. Os
turistas somos nós mesmos; nada
melhor do que um ministro do
Turismo para celebrá-la.
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