São Paulo, segunda-feira, 19 de abril de 2004

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TELEVISÃO

Em acordo pela disputa do comando da TV, conselho vota mudanças em estatuto que lhe darão mais poderes

Cultura implanta hoje "parlamentarismo"

DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

O conselho curador da Fundação Padre Anchieta (FPA, mantenedora da TV Cultura) votará hoje mudanças no estatuto da instituição que darão mais poder ao próprio conselho. "É uma mudança que instrumentaliza o poder do conselho. É um certo parlamentarismo", define Jorge da Cunha Lima, atual presidente executivo da fundação.
Pelo estatuto da FPA, o conselho curador, formado por 46 conselheiros, é responsável pela gestão da TV Cultura junto com a diretoria executiva, que inclui o presidente executivo e o diretor superintendente.
O conselho, que se reúne uma vez por mês, é um órgão deliberativo, e o seu representante máximo, o presidente da mesa do conselho curador, pode até contratar auditorias para fiscalizar a diretoria executiva.
Mas, na realidade, o conselho tem tido apenas o papel de fórum de discussões e ratificador de decisões da diretoria executiva. Com as mudanças de hoje, isso deve mudar um pouco.
As mudanças darão maiores atribuições ao presidente do conselho curador. Ele passará a representar a fundação em organismos nacionais e internacionais, como as associações de TVs públicas do país e estrangeiras.
O presidente do conselho também irá presidir uma comissão de programação estratégica, formada pelos presidentes de outras três comissões de conselheiros (a de finanças, a de marketing e receitas e a de tecnologia).
O cargo de presidente do conselho será "profissionalizado", segundo Cunha Lima, e as deliberações do conselho serão "acompanhadas no dia-a-dia". O cargo poderá passar a ser remunerado.
Essas mudanças são a base de um acordo entre Jorge da Cunha Lima e Marcos Mendonça, ex-secretário de Estado da Cultura. Presidente executivo da FPA desde 1995, Lima era candidato ao quarto mandato (de três anos). Mendonça, que tem o apoio do governo do Estado, principal fonte de receitas da FPA, entrou na disputa.
Na última segunda-feira, data limite para a inscrição de candidaturas, Mendonça não registrou a sua. Assim, abriu caminho para uma "composição" com Lima, que retirou sua candidatura na última quinta.
As eleições, que seriam hoje, foram adiadas para 10 de maio. Mendonça deve ser o candidato único a presidente executivo, e Cunha Lima, ao revigorado cargo de presidente do conselho.
Lima diz que viu na negociação com Mendonça "a grande oportunidade de fortalecer o poder deliberativo e de fiscalização do conselho curador".
O atual presidente da Cultura afirma ter convicção de que venceria o confronto com Mendonça, mas a disputa, inédita nos quase 35 anos da FPA, não seria boa para a instituição. "Tinha convicção de que as eleições estavam ganhas por mim. Então podia pensar mais nos interesses da instituição do que em mim", afirma.
Ele diz que não sofreu pressões do governador do Estado, Geraldo Alckmin. "O governador não me pressionou. Tenho informações de que ele não se envolveu pessoalmente nessa disputa. Ao mesmo tempo, tenho o sentimento de que uma disputa eleitoral propicia pressões. É evidente que meus eleitores sofreram pressões, mais ou menos fortes", afirma.
A pressão de Mendonça sobre os conselheiros eleitores de Lima, segundo o atual presidente, só teria mudado dois votos.
Cunha Lima diz que não desistiu da reeleição por temer eventual boicote do governo estadual, pelo corte de verbas. "Não é da índole do Geraldo [Alckmin] me asfixiar se eu ganhasse as eleições. A TV Cultura é do Estado."

Chuteiras
Cunha Lima é ambíguo quando questionado se a "Era Cunha Lima" na TV Cultura acaba em 12 de junho, quando termina seu mandato. "Não encerrei minha carreira. Não é a era que me envolve, é a aura."
O presidente da Cultura refuta as acusações de que sua gestão foi malsucedida. Foi na "Era Cunha Lima" que a Cultura teve suas maiores audiências, com reprises de "Castelo Rá-Tim-Bum", em 1996. "Castelo", aliás, admite Lima, é a marca de seu antecessor, Roberto Muylaert. A principal marca de Lima, segundo o próprio, é o jornalismo público.
Mas foi na gestão de Lima que a Cultura mergulhou em profunda crise financeira, que ele atribui à crise do Estado.
A saída, para compensar os cortes de verbas públicas, foi abrir a programação da TV para a publicidade comercial.
Neste ano, a Cultura prevê arrecadar R$ 38,4 milhões de "receitas próprias" (que incluem prestação de serviços, convênios, leis de incentivos fiscais e publicidade). O Estado prevê injetar R$ 80,8 milhões, mas R$ 8 milhões estão contingenciados (bloqueados).
As despesas somarão R$ 124,4 milhões, R$ 5 milhões a mais do que as receitas. Isso contando os R$ 8 milhões contingenciados.


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