São Paulo, quarta-feira, 19 de abril de 2006

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DEBATE

Fragmentação gerada pela vontade de contemplar públicos diversos foi tema do lançamento de livro de Marcelo Coelho

Cadernos culturais sofrem "balcanização"

Rodrigo Paiva/Folha Imagem
Marcelo Coelho, em debate anteontem na Folha, disse que jornalismo cultural é fragmentado


DA REPORTAGEM LOCAL

O público de cultura no Brasil é tão heterogêneo, em relação ao começo do século 20, por exemplo, que o jornalismo cultural diário acabou se "balcanizando", se fragmentando como a conflituosa região do Bálcãs, para atender a diversos leitores ao mesmo tempo. Esta foi um dos principais temas colocados anteontem à noite pelo crítico Marcelo Coelho, colunista da Folha, durante o lançamento de seu livro "Crítica Cultural: Teoria e Prática" (Publifolha; R$ 39), no auditório do jornal.
"Os cadernos culturais procuram atender a interesses muito variados e às vezes até incompatíveis", afirmou Coelho, cujo livro serviu de ponto de partida para um debate sobre "Jornalismo e Crítica Cultural", com o ensaísta e escritor José Teixeira Coelho Netto, professor de política cultural da ECA-USP, Luís Augusto Fischer, doutor em literatura brasileira e professor do Instituto de Letras da UFRGS, e a professora Ivana Bentes Oliveira, diretora da Escola de Comunicação da UFRJ.
A opinião do autor encontrou eco nas opiniões de Teixeira Coelho. O ensaísta usou o mesmo termo "balcanização" para dizer que as "coisas pioraram" no jornalismo e crítica culturais, sobretudo pela diminuição do espaço.
Ele discutiu qual seria o ambiente cultural e intelectual que envolve a crítica no Brasil.
"Em parte significativa dos veículos que acolhem crítica cultural, o fato que vale a pena é aquele que acontece hoje. Aquele que aconteceu há uma semana, um mês, seis meses, está frio, morreu", disse o ensaísta, que citou uma reportagem de capa com a dupla de cantores Sandy e Júnior [publicada na Ilustrada de 13 de abril] como um exemplo de "balcanização".
"Qual a lógica? É porque o público lê? Você vai me fazer acreditar que o público de Sandy e Júnior se dá ao trabalho de ler a primeira página do jornal mais importante do país? Eu gostaria que isso fosse demonstrado, porque talvez faça parte da cultura intelectual do jornalismo cultural achar, no Brasil, que o público é sempre pior que você."
Teixeira Coelho apontou ainda que no Brasil não há formação para críticos culturais, porque se trata do assunto apenas na graduação. Formação se faz em pós-graduação, ressaltou ele.
"Nós temos freqüentemente gente improvisada. Seja na reportagem, na crítica ou nas assessorias culturais das empresas."

Cultura como produto
Ivana Bentes Oliveira falou da importância de entender a notícia cultural como produto feito para diversos públicos, incluindo o centro cultural que promove o evento, o produtor ou o distribuidor do filme e até mesmo o anunciante do jornal.
"A matéria da Sandy e do Júnior foi feita, entre outros, para a própria gravadora da dupla. Quem são os clientes dos cadernos de cultura? Não são só o público em geral. Este tipo de relação vem contribuir para desvendarmos esse mistério", avaliou a professora.
Em concordância com a fala de Teixeira Coelho, Bentes Oliveira criticou ainda como a pauta jornalística, por conta da necessidade do furo, acaba matando a possibilidade de uma análise mais desenvolvida. "Isto cria uma simultaneidade que se esgota no aqui e agora. Muito raramente temos uma certa seqüencialidade, esse folhetim jornalístico que me dá bastante prazer."

Críticas
Em sua crítica ao livro de Coelho, Luís Augusto Fischer levantou duas perguntas: quem está falando, já que raramente aparece a primeira pessoa? E de que Brasil se trata no livro? Fischer acabou sustentando que o título reflete um posicionamento da própria Folha e um certo "triunfo" do modernismo, cuja crítica Coelho tematiza ao longo do livro.
"É expressão de certa filosofia do jornal, especialmente no fluxo entre a universidade e a sociedade. Nos últimos 15, 20 anos, pela primeira vez no Brasil, um jornal de São Paulo dá as cartas em termos de crítica cultural. Uma geração antes, esta força estava no "Jornal do Brasil'", apontou Fischer. E acrescentou: "O livro é uma espécie de relato narrativo da vitória do modernismo paulista no século 20".
Coelho explicou suas escolhas: "A minha preocupação de situar determinadas polêmicas não deixa de ser um ponto de vista da Folha, no sentido de mostrar dois lados de cada questão. E esta vitória do modernismo foi vitória contra mim mesmo. Comecei a me preocupar com cultura como crítico conservador. E à medida que ia procurando anular minhas opiniões mais ferrenhas fui me convencendo da superioridade do modernismo sobre uma atitude antimodernista mais caricata. Quando comecei, era o tipo ferrabrás, pronto para matar".


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