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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
O cinema brasileiro acabou
Meu amigo cinéfilo sentenciou: "Os filmes ruins continuam sendo feitos, só que agora eles são bons"
HÁ SÉCULOS eu não via o Emilinho. Desde aqueles finais
dos anos 70, início dos 80,
quando freqüentávamos cineclubes,
participávamos de debates e líamos
"tudo", inclusive a "Cine Olho", publicação alternativa que circulava
em São Paulo e no Rio. Lembro de
uma página antológica: sobre uma
foto de Lula, na greve dos metalúrgicos, os editores aplicaram um balão
de gibi, fazendo com que o então líder sindical, erguido em triunfo por
companheiros operários, dissesse:
"Il n" éxiste pas le cinéma-vérité"...
O Emilinho era "o" cinéfilo da turma. Não me lembro mais de seu verdadeiro nome -apenas do apelido,
em referência ao grande Paulo Emílio Sales Gomes.
Eis-me agora diante dele, mirrado, branco, introvertido, num bar
perto do Kinoplex. Sinal dos tempos. Depois dos cumprimentos saudosos e alguns copos, ele olhou-me
com firmeza e sentenciou: "O cinema brasileiro acabou".
"Que é isso, Emilinho?", reagi.
Não estamos, afinal, cheios de novos
filmes, atores magníficos, cineastas
prestes a virarem gênios?
"Mais ou menos", disse ele. E explicou que sentia saudades daquele
conjunto de filmes de antigamente,
meio espontâneos, improvisados,
com som muitas vezes sofrível e ótimos atores mal-ensaiados, do qual
episodicamente emergia alguma
grande obra. "Esse cinema acabou.
Éramos felizes e não sabíamos",
murmurou.
Tentei lembrá-lo da quantidade
de filmes ruins que era produzida
naqueles tempos, mas ele não se comoveu: "Os filmes ruins continuam
sendo feitos, só que agora eles são
bons", respondeu-me, ao mesmo
tempo em que aplicava aspas com os
dedos à palavra "bons".
Nos despedimos, os dias passaram, mas fiquei com a conversa passando em minha cabeça. Acho que o
Emilinho tem lá suas razões. Com as
honrosas exceções, o cinema brasileiro parece um pouco aquela moça
adoravelmente malvestida que agora anda toda "fashion".
Sim, houve um notável avanço
técnico, os roteiros e os diálogos melhoraram e tudo parece convergir
para um padrão médio internacional. Afinal, os cineastas, como os jogadores de futebol, também sonham
em atuar em outros gramados. E esse sonho vai sendo financiado por
uma lei segundo a qual o investidor é
uma entidade isenta de riscos, que
em geral nada investe, apenas faz
cortesia com a renúncia fiscal. Talvez isso -o fato de que obras já
saiam pagas na produção- seja uma
das razões das baixas bilheterias nacionais, como já apontaram alguns
críticos desse modelo.
O fato é que, como diria Emilinho,
deixamos de ter aqueles filmes que
podíamos, para bem ou para mal,
chamar de brasileiros e passamos a
ter filmes tipo alguma coisa, tipo fulano, tipo sicrano. Um caso exemplar recente é "O Cheiro do Ralo",
que é tipo Sundance -o festival "independente" americano. Digo logo
que acabei gostando, mas sabendo
que se trata de uma farsa. Não falo
de Selton Mello, que está excelente e
segura a onda toda. Mas a cenografia, os figurinos, a luz, a música, tudo
ali me soa tremendamente underground de butique.
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