São Paulo, quinta-feira, 19 de abril de 2007

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

O cinema brasileiro acabou

Meu amigo cinéfilo sentenciou: "Os filmes ruins continuam sendo feitos, só que agora eles são bons"

HÁ SÉCULOS eu não via o Emilinho. Desde aqueles finais dos anos 70, início dos 80, quando freqüentávamos cineclubes, participávamos de debates e líamos "tudo", inclusive a "Cine Olho", publicação alternativa que circulava em São Paulo e no Rio. Lembro de uma página antológica: sobre uma foto de Lula, na greve dos metalúrgicos, os editores aplicaram um balão de gibi, fazendo com que o então líder sindical, erguido em triunfo por companheiros operários, dissesse: "Il n" éxiste pas le cinéma-vérité"...
O Emilinho era "o" cinéfilo da turma. Não me lembro mais de seu verdadeiro nome -apenas do apelido, em referência ao grande Paulo Emílio Sales Gomes.
Eis-me agora diante dele, mirrado, branco, introvertido, num bar perto do Kinoplex. Sinal dos tempos. Depois dos cumprimentos saudosos e alguns copos, ele olhou-me com firmeza e sentenciou: "O cinema brasileiro acabou".
"Que é isso, Emilinho?", reagi. Não estamos, afinal, cheios de novos filmes, atores magníficos, cineastas prestes a virarem gênios?
"Mais ou menos", disse ele. E explicou que sentia saudades daquele conjunto de filmes de antigamente, meio espontâneos, improvisados, com som muitas vezes sofrível e ótimos atores mal-ensaiados, do qual episodicamente emergia alguma grande obra. "Esse cinema acabou. Éramos felizes e não sabíamos", murmurou.
Tentei lembrá-lo da quantidade de filmes ruins que era produzida naqueles tempos, mas ele não se comoveu: "Os filmes ruins continuam sendo feitos, só que agora eles são bons", respondeu-me, ao mesmo tempo em que aplicava aspas com os dedos à palavra "bons".
Nos despedimos, os dias passaram, mas fiquei com a conversa passando em minha cabeça. Acho que o Emilinho tem lá suas razões. Com as honrosas exceções, o cinema brasileiro parece um pouco aquela moça adoravelmente malvestida que agora anda toda "fashion".
Sim, houve um notável avanço técnico, os roteiros e os diálogos melhoraram e tudo parece convergir para um padrão médio internacional. Afinal, os cineastas, como os jogadores de futebol, também sonham em atuar em outros gramados. E esse sonho vai sendo financiado por uma lei segundo a qual o investidor é uma entidade isenta de riscos, que em geral nada investe, apenas faz cortesia com a renúncia fiscal. Talvez isso -o fato de que obras já saiam pagas na produção- seja uma das razões das baixas bilheterias nacionais, como já apontaram alguns críticos desse modelo.
O fato é que, como diria Emilinho, deixamos de ter aqueles filmes que podíamos, para bem ou para mal, chamar de brasileiros e passamos a ter filmes tipo alguma coisa, tipo fulano, tipo sicrano. Um caso exemplar recente é "O Cheiro do Ralo", que é tipo Sundance -o festival "independente" americano. Digo logo que acabei gostando, mas sabendo que se trata de uma farsa. Não falo de Selton Mello, que está excelente e segura a onda toda. Mas a cenografia, os figurinos, a luz, a música, tudo ali me soa tremendamente underground de butique.


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