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Crítica/Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo
Com segurança, quarteto visita a tradição
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
O programa fazia mais
sentido do que parece.
Com as devidas diferenças, tanto Johannes
Brahms (1833-97) quanto o jovem compositor paulistano
Alexandre Mihanovic são exploradores da tradição; e escutá-los lado a lado ajuda a tirar as
proteções do ouvido. Um ilumina o outro, ambos expressivamente interpretados pelo
Quarteto de Cordas da Cidade,
anteontem no Municipal.
O "Quarteto nº 2" de Mihanovic na verdade é o nº 1, porque o primeiro até hoje não foi
terminado. Mais conhecido como guitarrista e arranjador,
Mihanovic recebeu a encomenda de escrever "algo como seis
quartetos" para o QCCSP.
O nº 2 tem quatro movimentos, cada um homenageando
um mestre do passado: Stravinsky, Bartók, Haydn, Mozart.
Tudo é feito com fluência, tudo
muito bem escrito para quarteto. Mas será que essa música
não corre o risco de soar como
um excepcional pastiche?
A pergunta se impunha à luz
do "Quarteto nº 1" de Brahms.
Estreado em 1873, seria o fruto
de duas dezenas de quartetos
jogados fora -história verossímil quando se sabe que Brahms
destruiu aproximadamente
dois terços de sua produção total. Eram obras de estudo, só
um processo para chegar ao
resultado.
Ninguém como ele dominou
a tradição; mas ninguém melhor do que ele compreendeu
que essa tradição só podia ser
revivida, nas obras, com dificuldade. Nada nessa música é
fácil, embora nada seja difícil
de ouvir.
O "Quarteto nº 1", por exemplo, põe em jogo a série dos
quartetos "Razumovsky", de
Beethoven (1770-1827), assim
como a tradição de música leve
vienense (no "Allegretto"); mas
faz de tudo uma espécie de
campo de forças, em que se cruzam o novo e o antigo segundo
uma lei original.
Mário de Andrade
Que um concerto suscite tais
questões só pode ser bom. Faz
honra ao espírito de Mário de
Andrade, responsável pela criação do primeiro quarteto de
cordas de São Paulo (em 1935),
ancestral em linha direta desse.
E o Quarteto de Cordas da Cidade está em ótima forma, tocando com segurança e brio.
Talvez as falas do violista
Marcelo Jaffé pudessem ser
menores e menos animadas, no
contexto de um concerto noturno no Municipal. Para alguns, pelo menos, elas quebram o encanto, mais do que diminuem a distância. Mas o resultado musical é tão convincente que apaga qualquer ranço
na memória.
São Paulo, quem diria, conta
hoje com pelo menos três grandes quartetos de cordas: o
QCCSP, o Quarteto Osesp (que
toca amanhã, na Sala São Paulo,
com o pianista francês Jean-Philippe Collard) e o Portinari
(de membros da Osesp, também). Aproveite quem puder,
porque não existe repertório
melhor do que esse.
Avaliação: bom
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