São Paulo, sábado, 19 de abril de 2008

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Crítica/Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo

Com segurança, quarteto visita a tradição

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

O programa fazia mais sentido do que parece. Com as devidas diferenças, tanto Johannes Brahms (1833-97) quanto o jovem compositor paulistano Alexandre Mihanovic são exploradores da tradição; e escutá-los lado a lado ajuda a tirar as proteções do ouvido. Um ilumina o outro, ambos expressivamente interpretados pelo Quarteto de Cordas da Cidade, anteontem no Municipal.
O "Quarteto nº 2" de Mihanovic na verdade é o nº 1, porque o primeiro até hoje não foi terminado. Mais conhecido como guitarrista e arranjador, Mihanovic recebeu a encomenda de escrever "algo como seis quartetos" para o QCCSP.
O nº 2 tem quatro movimentos, cada um homenageando um mestre do passado: Stravinsky, Bartók, Haydn, Mozart. Tudo é feito com fluência, tudo muito bem escrito para quarteto. Mas será que essa música não corre o risco de soar como um excepcional pastiche?
A pergunta se impunha à luz do "Quarteto nº 1" de Brahms. Estreado em 1873, seria o fruto de duas dezenas de quartetos jogados fora -história verossímil quando se sabe que Brahms destruiu aproximadamente dois terços de sua produção total. Eram obras de estudo, só um processo para chegar ao resultado.
Ninguém como ele dominou a tradição; mas ninguém melhor do que ele compreendeu que essa tradição só podia ser revivida, nas obras, com dificuldade. Nada nessa música é fácil, embora nada seja difícil de ouvir.
O "Quarteto nº 1", por exemplo, põe em jogo a série dos quartetos "Razumovsky", de Beethoven (1770-1827), assim como a tradição de música leve vienense (no "Allegretto"); mas faz de tudo uma espécie de campo de forças, em que se cruzam o novo e o antigo segundo uma lei original.

Mário de Andrade
Que um concerto suscite tais questões só pode ser bom. Faz honra ao espírito de Mário de Andrade, responsável pela criação do primeiro quarteto de cordas de São Paulo (em 1935), ancestral em linha direta desse. E o Quarteto de Cordas da Cidade está em ótima forma, tocando com segurança e brio.
Talvez as falas do violista Marcelo Jaffé pudessem ser menores e menos animadas, no contexto de um concerto noturno no Municipal. Para alguns, pelo menos, elas quebram o encanto, mais do que diminuem a distância. Mas o resultado musical é tão convincente que apaga qualquer ranço na memória.
São Paulo, quem diria, conta hoje com pelo menos três grandes quartetos de cordas: o QCCSP, o Quarteto Osesp (que toca amanhã, na Sala São Paulo, com o pianista francês Jean-Philippe Collard) e o Portinari (de membros da Osesp, também). Aproveite quem puder, porque não existe repertório melhor do que esse.


Avaliação: bom


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