São Paulo, sábado, 19 de abril de 2008

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Livros - Crítica/"Aprendiz de Homero"

Nélida Piñon faz "testamento amoroso" de grandes autores

Autora lança ensaios que investigam de Cervantes a Machado de Assis em livro "perturbado por falhas graves"

DO CRÍTICO DA FOLHA

Homero é tradicionalmente visto como o fundador da cultura grega antiga e, nesse sentido, responsável pela formação do mundo europeu e ocidental. O classicista alemão Werner Jaeger dizia que apenas Dante, Shakespeare e Goethe produziam obras de magnitude comparável à dele. A brasileira de raízes galegas Nélida Piñon decerto acrescentaria Cervantes.
O autor de "Dom Quixote" e o poeta da "Ilíada" são alguns dos artistas que a romancista elege descrever em seu livro de ensaios "Aprendiz de Homero"-um cânone amplo o bastante para incluir escritores atuais, como seus amigos Mario Vargas Llosa e Carlos Fuentes, além dos velhos contadores de histórias da Galícia.
Descontando as influências literárias modernas, parece que a autora carioca decidiu buscar exemplos que expressam algum tipo de formação, como o do cristianismo (o Velho Testamento), do romance brasileiro (Machado de Assis) e da narrativa oriental ("As Mil e Uma Noites").
Nélida se considera herdeira dessa tradição não apenas em seu aspecto artístico, mas também deixando-nos vislumbrar um laço afetivo, amoroso, se quisermos, com os próceres de seu labor. Não é à toa, por exemplo, que, em vez de falar diretamente de Dom Quixote (ela prefere a forma "Don Quijote"), a autora recorre à figura cômica da criada Maritornes.
Contraponto realista da idealizada Dulcinéia, a feiosa Maritornes anseia tornar-se a outra, convertendo seus pobres predicados na máscara feminina que ocupa os sonhos do cavaleiro. Mas a ela está reservado apenas o destino de entregar o corpo como "receptáculo do esperma sujo do seu arrieiro".
A imagem de posse é retomada numa chave mais elevada, mas igualmente erótica, quando Nélida contempla o bardo grego: "Mas não posso fugir à sina de amar Homero [...] É natural, para mim, que seu verbo roce o corpo [...] A voracidade amorosa, que me golpeia, é arte também. Facilita que eu [...] comporte-me com piedade, de modo a ofertar a Homero o cofre do meu mistério".
Esse interessante requerimento testamentário pela via amorosa é, infelizmente, perturbado por graves falhas de grafia e informação. O amante de Clitemnestra nas narrativas gregas é Egisto, não "Egito", bem como o nome da heroína de Machado de Assis não é "Capitulina", mas Capitolina. Além disso, o romance "Esaú e Jacó", do mesmo autor, não é o "último de sua lavra": o "Memorial de Aires" seguiu-se a ele, quatro anos depois. (MARCELO PEN)


APRENDIZ DE HOMERO
Autora: Nélida Piñon
Editora: Record
Quanto: R$ 38 (368 págs.)
Avaliação: regular



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