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Livros - Crítica/"Aprendiz de Homero"
Nélida Piñon faz "testamento amoroso" de grandes autores
Autora lança ensaios que investigam de Cervantes a Machado de Assis em livro "perturbado por falhas graves"
DO CRÍTICO DA FOLHA
Homero é tradicionalmente visto como o
fundador da cultura
grega antiga e, nesse sentido,
responsável pela formação do
mundo europeu e ocidental. O
classicista alemão Werner Jaeger dizia que apenas Dante,
Shakespeare e Goethe produziam obras de magnitude comparável à dele. A brasileira de
raízes galegas Nélida Piñon decerto acrescentaria Cervantes.
O autor de "Dom Quixote" e
o poeta da "Ilíada" são alguns
dos artistas que a romancista
elege descrever em seu livro de
ensaios "Aprendiz de Homero"-um cânone amplo o bastante para incluir escritores
atuais, como seus amigos Mario Vargas Llosa e Carlos Fuentes, além dos velhos contadores
de histórias da Galícia.
Descontando as influências
literárias modernas, parece que
a autora carioca decidiu buscar
exemplos que expressam algum tipo de formação, como o
do cristianismo (o Velho Testamento), do romance brasileiro
(Machado de Assis) e da narrativa oriental ("As Mil e Uma
Noites").
Nélida se considera herdeira
dessa tradição não apenas em
seu aspecto artístico, mas também deixando-nos vislumbrar
um laço afetivo, amoroso, se
quisermos, com os próceres de
seu labor. Não é à toa, por
exemplo, que, em vez de falar
diretamente de Dom Quixote
(ela prefere a forma "Don Quijote"), a autora recorre à figura
cômica da criada Maritornes.
Contraponto realista da
idealizada Dulcinéia, a feiosa
Maritornes anseia tornar-se a
outra, convertendo seus pobres
predicados na máscara feminina que ocupa os sonhos do cavaleiro. Mas a ela está reservado apenas o destino de entregar
o corpo como "receptáculo do
esperma sujo do seu arrieiro".
A imagem de posse é retomada numa chave mais elevada,
mas igualmente erótica, quando Nélida contempla o bardo
grego: "Mas não posso fugir à
sina de amar Homero [...] É natural, para mim, que seu verbo
roce o corpo [...] A voracidade
amorosa, que me golpeia, é arte
também. Facilita que eu [...]
comporte-me com piedade, de
modo a ofertar a Homero o cofre do meu mistério".
Esse interessante requerimento testamentário pela via
amorosa é, infelizmente, perturbado por graves falhas de
grafia e informação. O amante
de Clitemnestra nas narrativas
gregas é Egisto, não "Egito",
bem como o nome da heroína
de Machado de Assis não é "Capitulina", mas Capitolina. Além
disso, o romance "Esaú e Jacó",
do mesmo autor, não é o "último de sua lavra": o "Memorial
de Aires" seguiu-se a ele, quatro
anos depois.
(MARCELO PEN)
APRENDIZ DE HOMERO
Autora: Nélida Piñon
Editora: Record
Quanto: R$ 38 (368 págs.)
Avaliação: regular
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