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Cartas a Elizabeth Bishop revelam veia irônica
DO CRÍTICO DA FOLHA
Flannery O'Connor morreu
com apenas 39 anos, vítima de
lúpus eritematoso, doença auto-imune feia e sofrida, que já
havia matado seu pai e a fez viver isolada durante muito anos
em sua fazenda de laticínios,
junto com a mãe, no interior da
Geórgia.
De lá manteve correspondência com a poeta Elizabeth
Bishop (1911-1979), que vivia
então no Rio de Janeiro. Flannery fez vários convites para
que Elizabeth a visitasse na
propriedade rural "a algumas
milhas de Milledgeville". A
poeta nunca foi. Em uma carta
posterior, enviada a Robert Giroux, ela lamenta não tê-la visitado, para depois confessar, entre parênteses: "Acho que eu tinha "medo" da Flannery!".
As cartas de Flannery a Elizabeth revelam a veia irônica da
primeira, sem a sombra trágica
ou violenta que há em suas histórias. Talvez até porque, como
ela diz, "a maior parte da violência levada às suas conclusões lógicas nos contos consegue ser evitada aqui [em sua fazenda]".
Flannery O'Connor descreve
com humor seu provincianismo ("Os contos são, agora, mais
viajados do que eu") e a recepção da crítica. Diz que mal reconheceu um conto seu examinado pelo italiano Mario Praz,
"mas de todo modo [ele] pareceu saber do que se tratava e o
aprovou".
Sua reclusão foi rompida algumas vezes, como em sua primeira e única viagem à Europa.
Foi quando se deu conta de que
as muletas "foram uma grande
aquisição", pois lhe davam a
prerrogativa de embarcar primeiro em todos os aviões.
Sátira fina
O episódio de sua ida a Lourdes é um primor da sátira fina:
"Alguém me disse em Paris que
o milagre de Lourdes é que não
haja epidemia [...]. Eles passaram uma garrafa de água termal e todos beberam do gargalo. Eu estava com um resfriado
terrível, de modo que acho que
passei mais germes que peguei
[...]. O sobrenatural ali é um fato, mas não em substituição a
algo natural; excetuando-se talvez aqueles germes".
Por fim, as cartas também
mostram que Flannery não vivia tão apartada como se pensa
da roda literária. Era por exemplo amiga do poeta Robert Lowell e ficou hospedada em uma
ocasião na residência de outro,
Robert Fitzgerald -ambos
igualmente amigos de Elizabeth Bishop.
Ela empenhou-se, sem sucesso, para que esta fosse convidada a dar palestras em uma
faculdade metodista: "Eles
querem trazer Eliot no ano que
vem. Tom Gosset, o que faz os
convites, me disse que precisou
explicar com bastante cuidado
ao reitor quem era Eliot".
(MP)
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