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Crítica/"D. João VI..." e "Napoleão Bonaparte..."
200 anos propiciam edições de qualidade
JEAN MARCEL CARVALHO FRANÇA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há historiadores que
vêem com péssimos
olhos as grandes celebrações históricas, do gênero
desta que promovemos atualmente em comemoração aos
dois séculos da transmigração
da corte de dom João 6º para o
Brasil. Tais descontentes alegam, e por vezes com razão, que
o tema é abordado em demasia,
obscurecendo outras discussões importantes, que os estudos em geral primam pelo imediatismo e pela superficialidade e que os oportunistas são os
que mais lucram nestas horas
festivas. Por certo que há isso e
muito mais, o que, no entanto,
não invalida o fato de que essas
datas também permitem amplas discussões sobre o acontecimento comemorado e criam a
possibilidade de o público, especializado ou não, conhecer
trabalhos de qualidade, que talvez em outra ocasião não encontrassem espaço no mercado
editorial brasileiro.
É esse o caso de dois livros relacionados ao período joanino
que acabam de vir a público:
"Napoleão Bonaparte...", da
pesquisadora carioca Lúcia
Maria Bastos Pereira das Neves, e "D. João VI - Um Príncipe
entre Dois Mundos", dos estudiosos portugueses Jorge Pedreira e Fernando Dores Costa.
"Napoleão...", de Pereira das
Neves, sustenta-se numa idéia
simples, inteligente e bastante
original: a de mapear o universo político português durante a
invasão napoleônica, a partir da
minuciosa análise da recepção
do "mito de Napoleão" em terras lusitanas. O livro abre com
um amplo panorama dos contornos e do alcance que teve tal
mito na Europa do início do Oitocentos. Neves assevera que,
em geral, o "mito napoleônico"
ganhou duas versões bem delineadas e opostas: de um lado,
uma "lenda negra", que pintava
o imperador dos franceses quase como um anticristo; de outro, uma "lenda rosa", que via
Napoleão como uma espécie de
arauto de uma nova e redentora era da desgastada Europa.
Delineados os contornos do
mito, Neves debruça-se sobre a
sociedade portuguesa do período: descreve os embates políticos que tiveram lugar antes, durante e depois das invasões napoleônicas, mapeia os instrumentos e os agentes que fizeram circular em Portugal os
mitos e representações em torno de Bonaparte e, sobretudo,
descreve a recepção que tiveram entre os portugueses esses
mitos e representações.
Em Portugal, como salienta a
pesquisadora, o embate entre o
"bom" e o "mau" Napoleão esteve intimamente articulado a
um outro embate bem mais essencial entre partidários de
uma concepção mais liberal e
progressista da sociedade e
aqueles ciosos da conservação
de um mundo que desagregava
no restante da Europa. Pelo
que indicam as análises de Neves, no pequeno reino ibérico,
os conservadores acabaram por
dar a última palavra.
"D. João VI..." é uma competente mas bastante tradicional
biografia política dessa curiosa
figura que queria se dedicar à
vida religiosa, mas que o capricho da história transformou
em rei do Brasil e de Portugal.
O livro não traz nenhuma
perspectiva singular da trajetória política do personagem,
nem uma proposta de análise
inovadora, todavia, é escrito
numa linguagem atraente e
acessível, muito bem documentado e é didaticamente dividido, com uma estrita observância da cronologia. Para
mais, o estudo conta com uma
instrutiva introdução, na qual
os autores promovem um detalhado balanço da produção historiográfica portuguesa e brasileira acerca de d. João 6º, uma
produção, como sabemos, profundamente marcada por posturas extremas (amor e ódio)
em relação ao controverso rei.
JEAN MARCEL CARVALHO FRANÇA é professor de história na Universidade Estadual Paulista, em Franca (SP), e autor de "Literatura e Sociedade no Rio de Janeiro Oitocentista" (Imprensa Nacional/Casa da Moeda).
D. JOÃO VI - UM PRÍNCIPE ENTRE DOIS MUNDOS
Autores: Jorge Pedreira e Fernando
Dores Costa
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 57,50 (508 págs.)
Avaliação: bom
NAPOLEÃO BONAPARTE: IMAGINÁRIO E POLÍTICA EM PORTUGAL (1808-1810)
Autora: Lúcia Maria Bastos Pereira
das Neves
Editora: Alameda
Quanto: R$ 48 (364 págs.)
Avaliação: bom
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