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Crítica/teatro/"A Última Palavra É a Penúltima"
Sem personagens reconhecíveis, Vertigem volta a desconcertar
Intervenção realizada em passagem subterrânea baseia-se em mote de Deleuze
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Quando finalmente anda a fila que vinha se
formando desde o início da tarde, um morador de
rua insulta os que entram na
passagem da Xavier de Toledo,
como se fosse uma profanação.
É mais uma aventura urbana
arquitetada pelo Teatro da Vertigem, desta vez em cumplicidade com as companhias Zikzira e Lot. Apresentada entre os
dias 12 e 15 deste mês, terá reprise dia 26, na Virada Cultural.
Mas que é este "A Última Palavra É a Penúltima"? Baseado
no mote do "esgotamento" de
Deleuze, o espetáculo se apresenta como uma intervenção
cênica: o público, por trás de
uma vitrine do antigo Mappin
na passagem subterrânea fechada há anos, observa secretamente gente passando. São carregadores de água de uma banalidade estranha, e seres mascarados de uma familiaridade
perturbadora.
A ação é minuciosamente
controlada, mas pouco ou nada
acontece: uma garrafa que se
espatifa no chão ganha ares de
catástrofe. Incorpora o acaso,
mas em pequenas doses. Ao fluxo de transeuntes não faltam
convidados anônimos e quase
desavisados, mas ele é composto sobretudo de atores que se
prepararam minuciosamente.
Sabemos também, pela revelação de vídeos gravados instantes antes, quando avançava
a fila, que são atores ansiosos
com o "aqui agora" da apresentação, mas não têm nenhum
personagem reconhecível. O
tempo de apresentação é mantido vago: informações prévias
desencontradas variavam de 30
minutos a quase duas horas.
Trata-se então do esgotamento do espetáculo, diante do
excesso de rupturas e rótulos
da modernidade? Cria o espetáculo que vê. Mas qual o personagem do observador? Um vizinho voyeur olha com desconfiança minha capa preta e pergunta se sou um ator disfarçado. Respondo que sou crítico.
"Não gosto de você, então",
conclui, à queima-roupa.
No papel de provador público, tentando relatar um nexo, a
lembrança das freiras emparedadas do mosteiro da Luz não
ajuda minha claustrofobia.
Na saída, cumprimento uma
atriz: "Não sei o que é, mas é
bom". "É?", espanta-se ela:
"também não sei o que é". Consulto o relógio: foram 50 minutos. A não ser que conte o estranhamento que persiste na lenta
volta ao mundo normal.
A ÚLTIMA PALAVRA
É A PENÚLTIMA
Quando: dia 26/4, às 22h e às 23h
Onde: na passagem subterrânea entre o viaduto do Chá e a pça. Ramos
de Azevedo, no centro
Quanto: grátis
Avaliação: bom
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