São Paulo, sábado, 19 de abril de 2008

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Crítica/teatro/"A Última Palavra É a Penúltima"

Sem personagens reconhecíveis, Vertigem volta a desconcertar

Intervenção realizada em passagem subterrânea baseia-se em mote de Deleuze

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Quando finalmente anda a fila que vinha se formando desde o início da tarde, um morador de rua insulta os que entram na passagem da Xavier de Toledo, como se fosse uma profanação.
É mais uma aventura urbana arquitetada pelo Teatro da Vertigem, desta vez em cumplicidade com as companhias Zikzira e Lot. Apresentada entre os dias 12 e 15 deste mês, terá reprise dia 26, na Virada Cultural.
Mas que é este "A Última Palavra É a Penúltima"? Baseado no mote do "esgotamento" de Deleuze, o espetáculo se apresenta como uma intervenção cênica: o público, por trás de uma vitrine do antigo Mappin na passagem subterrânea fechada há anos, observa secretamente gente passando. São carregadores de água de uma banalidade estranha, e seres mascarados de uma familiaridade perturbadora.
A ação é minuciosamente controlada, mas pouco ou nada acontece: uma garrafa que se espatifa no chão ganha ares de catástrofe. Incorpora o acaso, mas em pequenas doses. Ao fluxo de transeuntes não faltam convidados anônimos e quase desavisados, mas ele é composto sobretudo de atores que se prepararam minuciosamente.
Sabemos também, pela revelação de vídeos gravados instantes antes, quando avançava a fila, que são atores ansiosos com o "aqui agora" da apresentação, mas não têm nenhum personagem reconhecível. O tempo de apresentação é mantido vago: informações prévias desencontradas variavam de 30 minutos a quase duas horas.
Trata-se então do esgotamento do espetáculo, diante do excesso de rupturas e rótulos da modernidade? Cria o espetáculo que vê. Mas qual o personagem do observador? Um vizinho voyeur olha com desconfiança minha capa preta e pergunta se sou um ator disfarçado. Respondo que sou crítico. "Não gosto de você, então", conclui, à queima-roupa.
No papel de provador público, tentando relatar um nexo, a lembrança das freiras emparedadas do mosteiro da Luz não ajuda minha claustrofobia.
Na saída, cumprimento uma atriz: "Não sei o que é, mas é bom". "É?", espanta-se ela: "também não sei o que é". Consulto o relógio: foram 50 minutos. A não ser que conte o estranhamento que persiste na lenta volta ao mundo normal.


A ÚLTIMA PALAVRA É A PENÚLTIMA
Quando: dia 26/4, às 22h e às 23h
Onde: na passagem subterrânea entre o viaduto do Chá e a pça. Ramos de Azevedo, no centro
Quanto: grátis
Avaliação: bom



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