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Antidivas
Na contramão das intérpretes de décadas passadas, elas acumulam dívidas e investem em CDs ousados
Leticia Moreira/ Folha Imagem
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As cantoras paulistas Tulipa e Andreia Dias, que lançam discos autorais no início de maio
MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Segundo tradição disseminada pelo cinema no começo do
século passado e adaptada para
o universo musical nas décadas
seguintes, uma diva "quer estar
sozinha". Foi Greta Garbo, talvez a representante maior dessa estirpe feminina, quem lançou a máxima que seria depois
devorada pelo imaginário pop.
Criou-se um modelo a ser
perseguido. O ideal é que uma
diva tenha traços fortes de melancolia, um olhar impenetrável e, sobretudo, que conviva o
mínimo possível com humanos. Da vida cotidiana delas,
pouco se pode ver. Mas deixam
escapar que vivem submersas
em glamour, vestem peles, tomam champanhe no café da
manhã e sofrem com uma lista
de ex-amores mal curados.
O dinheiro inesgotável compensa o final trágico, que desde
sempre as espreita. Viverão para sempre.
"Diva? Sou a nova "dívida" da
MPB", ri a cantora e compositora Andreia Dias, que lança no
começo de maio seu "Vol. 2",
dando prosseguimento à "trilogia da minha cabeça" inaugurada em 2007. "Gastei tudo o que
tinha pra gravar meu primeiro
[disco] e, desde então, nunca
mais saí do negativo."
"Não tem nada de glamouroso nessa profissão", concorda
Tulipa Ruiz, que estreia em disco no mesmo mês. Ironia inconsciente à "eternidade" das
divas, o trabalho se chama
"Efêmera". "Estar no palco
continua sendo a melhor coisa
que existe. Mas, quando acaba
o show, a gente tem que pegar
no batente, desmontar bateria,
carregar os instrumentos pro
carro. Hoje em dia ninguém
mais vende milhões de discos.
É impossível a cantora não se
envolver com nada e se preocupar só com o cantar."
Essa última frase tem causado arrepios em quase todas as
cantoras lançadas até os anos
90, quando a indústria fonográfica ainda ditava as regras. Mais
do que incentivar a postura de
divas, as gravadoras as criavam,
bancando extravagâncias. Simone, por exemplo, ganhou
um Mercedes para ir da EMI
para a CBS, nos anos 80. Na
mesma década, a BMG pagava
o apartamento de Gal Costa.
"A mídia dá essa conotação
de glamour [às cantoras] e elas
acreditam, pensam que são
pessoas com poderes especiais,
as eleitas do reino de Deus. E
que, por isso, merecem tratamento diferente do que é dado
aos caras da banda", diz Andreia. Ela ainda vê traços desse
comportamento na nova geração. "A maioria das cantoras
que andam surgindo é de família bem estruturada. Antes, o
que era uma vergonha pros
pais, virou motivo de orgulho. É
legal que se perca o preconceito. Mas irrita essa posturinha
de "tenho tudo o que preciso,
sou bonita e meus pais investem em mim"."
Sexo
O modelo da antidiva, ao contrário do que se poderia imaginar, não as masculiniza. Nos casos específicos de Andreia e Tulipa, a feminilidade é bem aflorada, podendo chegar a ser ostensiva em algumas canções. As
duas são quase opostas entre si
no tratamento que dão ao sexo,
ao homem amado. Mas, isso
nem se discute, seus discos jamais poderiam ter sido compostos por um rapaz.
Andreia é direta e não tem
medo de profanar o padrão,
ainda corrente nesta geração
do "sexo frágil". Em "Mulher",
faixa do CD, ela se diz "libidinosa, pagã, poderosa, encapetada,
cobra tortuosa", "o demônio feminino", "a puta da família". E
encerra, livrando-se de ter que
pedir perdão: "Mas foi Deus
que me fez assim".
Tulipa tem pegada mais doce
e, em vez de "Mulher", compôs
"Da Menina" -o que representa bem as diferenças entre ela e
Andreia. "Descobre o peito,
pinta a boca e beija o espelho
que reflete a silhueta que você
acabou de descobrir. Perfuma a
nuca, perfuma o pulso, sente o
seu perfume e sai de salto por
aí", diz a letra, canta a voz que
remete à diva Gal Costa.
Diferenças à parte, uma frase
está no discurso das duas: fizeram discos "de banda", não "de
cantora". E a participação dos
músicos, na base da amizade,
foi essencial. Ao que parece, as
antidivas não querem -nem
podem- ficar sozinhas.
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