São Paulo, segunda-feira, 19 de abril de 2010

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Antidivas

Na contramão das intérpretes de décadas passadas, elas acumulam dívidas e investem em CDs ousados

Leticia Moreira/ Folha Imagem
As cantoras paulistas Tulipa e Andreia Dias, que lançam discos autorais no início de maio

MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Segundo tradição disseminada pelo cinema no começo do século passado e adaptada para o universo musical nas décadas seguintes, uma diva "quer estar sozinha". Foi Greta Garbo, talvez a representante maior dessa estirpe feminina, quem lançou a máxima que seria depois devorada pelo imaginário pop.
Criou-se um modelo a ser perseguido. O ideal é que uma diva tenha traços fortes de melancolia, um olhar impenetrável e, sobretudo, que conviva o mínimo possível com humanos. Da vida cotidiana delas, pouco se pode ver. Mas deixam escapar que vivem submersas em glamour, vestem peles, tomam champanhe no café da manhã e sofrem com uma lista de ex-amores mal curados.
O dinheiro inesgotável compensa o final trágico, que desde sempre as espreita. Viverão para sempre.
"Diva? Sou a nova "dívida" da MPB", ri a cantora e compositora Andreia Dias, que lança no começo de maio seu "Vol. 2", dando prosseguimento à "trilogia da minha cabeça" inaugurada em 2007. "Gastei tudo o que tinha pra gravar meu primeiro [disco] e, desde então, nunca mais saí do negativo."
"Não tem nada de glamouroso nessa profissão", concorda Tulipa Ruiz, que estreia em disco no mesmo mês. Ironia inconsciente à "eternidade" das divas, o trabalho se chama "Efêmera". "Estar no palco continua sendo a melhor coisa que existe. Mas, quando acaba o show, a gente tem que pegar no batente, desmontar bateria, carregar os instrumentos pro carro. Hoje em dia ninguém mais vende milhões de discos. É impossível a cantora não se envolver com nada e se preocupar só com o cantar."
Essa última frase tem causado arrepios em quase todas as cantoras lançadas até os anos 90, quando a indústria fonográfica ainda ditava as regras. Mais do que incentivar a postura de divas, as gravadoras as criavam, bancando extravagâncias. Simone, por exemplo, ganhou um Mercedes para ir da EMI para a CBS, nos anos 80. Na mesma década, a BMG pagava o apartamento de Gal Costa.
"A mídia dá essa conotação de glamour [às cantoras] e elas acreditam, pensam que são pessoas com poderes especiais, as eleitas do reino de Deus. E que, por isso, merecem tratamento diferente do que é dado aos caras da banda", diz Andreia. Ela ainda vê traços desse comportamento na nova geração. "A maioria das cantoras que andam surgindo é de família bem estruturada. Antes, o que era uma vergonha pros pais, virou motivo de orgulho. É legal que se perca o preconceito. Mas irrita essa posturinha de "tenho tudo o que preciso, sou bonita e meus pais investem em mim"."

Sexo
O modelo da antidiva, ao contrário do que se poderia imaginar, não as masculiniza. Nos casos específicos de Andreia e Tulipa, a feminilidade é bem aflorada, podendo chegar a ser ostensiva em algumas canções. As duas são quase opostas entre si no tratamento que dão ao sexo, ao homem amado. Mas, isso nem se discute, seus discos jamais poderiam ter sido compostos por um rapaz.
Andreia é direta e não tem medo de profanar o padrão, ainda corrente nesta geração do "sexo frágil". Em "Mulher", faixa do CD, ela se diz "libidinosa, pagã, poderosa, encapetada, cobra tortuosa", "o demônio feminino", "a puta da família". E encerra, livrando-se de ter que pedir perdão: "Mas foi Deus que me fez assim".
Tulipa tem pegada mais doce e, em vez de "Mulher", compôs "Da Menina" -o que representa bem as diferenças entre ela e Andreia. "Descobre o peito, pinta a boca e beija o espelho que reflete a silhueta que você acabou de descobrir. Perfuma a nuca, perfuma o pulso, sente o seu perfume e sai de salto por aí", diz a letra, canta a voz que remete à diva Gal Costa.
Diferenças à parte, uma frase está no discurso das duas: fizeram discos "de banda", não "de cantora". E a participação dos músicos, na base da amizade, foi essencial. Ao que parece, as antidivas não querem -nem podem- ficar sozinhas.


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