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MÚSICA
Obra do cantor, padrinho de Jorge Ben Jor, sobrevive por meio do mercado negro e de DJs
Europa e piratas passam a limpo Orlan Divo
ISRAEL DO VALE
ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO
O rapazote de violão em punho
queria porque queria mostrar
uma ou duas músicas suas à nova
sensação do sambalanço. Era
1961. As quatro faixas do compacto de Orlann Divo rodavam sem
parar na rádio Jornal do Brasil, ao
contrário do que se vê hoje, com
sua obra amplificada com mais
frequência na Europa, onde será
disponibilizada integralmente a
partir de agosto.
De volta ao túnel do tempo: o
portador do recado naqueles idos
dos 60 era Oliveira Filho, radialista de renome e mestre de cerimônias da noite semanal Clube do
Disco, da boate Plaza, no Leme,
ponto de convergência da geração
bossa nova e cenário do encontro.
Orlann Divo desceu a uma salinha ao lado da cozinha e foi ter
com o tal garoto. Sentado num
canto, o violão sobre a perna, o
menino franzino colocou a vozinha peculiar a serviço de uma cadência que só perdia em estranhamento para a sua pronúncia: "Por
causa de "voxê" bate em meu peito...".
Vocalista de carreira ascendente, projetado pela percussão em
molho de chaves que se tornaria
sua marca registrada e pelo relativo sucesso de uma composição
sua na voz de Claudete Soares,
Orlann Divo recusaria a oferta.
Via virtudes no garoto, mas recomendou que ele mesmo a registrasse em sua interpretação personalíssima.
Habituado a ser visto de esguelha pela turma do Beco das Garrafas, celeiro dos bossa-novistas sofisticados, o menino Jorge acataria a sugestão. E inverteria a situação.
Dois anos depois seria ele, Jorge
Ben, quem gravaria uma música
de Orlann Divo (na grafia da época) em seu terceiro disco, "Ben é
Samba Bom", de 1964.
A mesma faixa, "Onde Anda o
Meu Amor", trouxe novamente
Orlan Divo (hoje com um ene só)
à cena, meses atrás, pelas mãos da
nova geração, em show reverente
do combo drum'n'bossa Bossacucanova.
Há tempos, Divo, como o chamava o pai, tem sido alvo de redescobertas. Seja em citações de
gente como Caetano Veloso (que,
na tenra idade, o ombreava a João
Gilberto na letra de "Clever Boys
Samba"), seja pelo curioso anabolizante do "mercado paralelo".
Graças à visibilidade oferecida
pelos "CDs genéricos" e a discos
cotados a US$ 70 na bolsa de colecionadores européia, a gravadora
EMI animou-se a lançar em CD
(entre os 45 remasterizados da coleção Odeon 100 Anos) seu quarto
e mais recente disco, "Orlandivo",
de 1977, único à venda fora das lojas de importados. Segundo o
cantor, foi um cutucão seu (a partir do fato de que cinco das composições ainda não haviam sido
editadas) que fez a gravadora despertar para o acervo. "Eu sou o estopim da bomba", gaba-se.
O conjunto da obra do cantor
de "Samba Toff" e "Tamanco no
Samba" volta a ser visualizado
com o lançamento de "Samba em
Paralelo", de 1965, pela gravadora
inglesa Whatmusic, em vinil e em
CD. É o fecho do ciclo iniciado
com a recondução ao mercado
por este mesmo selo, ano e meio
atrás, de "A Chave do Sucesso"
(1962) e "Orlann Divo" (1964).
Vivendo de shows ocasionais
no bar Vinicius e dos bailes dançantes com sua Banda Ipanema, o
catarinense radicado no Rio, hoje
com 65 anos, desmancha-se de
gratidão sobre piratas e corsários
que o levaram até os cases de DJs
brasileiros e estrangeiros. "É uma
mídia de dois passos para frente e
um para trás", pondera. "Mas vale
a pena."
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