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São Paulo, segunda-feira, 19 de maio de 2003

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ANÁLISE

"Turma do Gueto" cai no clichê melodramático

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Hoje às 22h30, na Record, vai ao ar mais um episódio de "Turma do Gueto". O apresentador Netinho de Paula idealizou um seriado com espírito de "ação afirmativa" da identidade negra.
Mas, em sua segunda temporada, "Turma do Gueto" se tornou uma espécie de "reality show" da violência de periferia.
Segundo o site do programa, o episódio da semana passada teria atingido 14 pontos no Ibope, batendo o tradicional segundo colocado no horário, o programa "Hebe", do SBT. O episódio tinha tiroteio, sequestro, overdose, armação, incluindo manipulação do telejornal ficcional que funciona como elo entre personagens da história.
Os tipos e o enredo do seriado são como que caricaturas das notícias que fazem a agenda das principais cidades nos dias que correm. Uma escola, onde o professor Ricardo (Netinho) dá aulas, serve de cenário principal, palco para a ação de viciados e bandidos traficantes armados.
Termina o episódio, e vem o noticiário com as novas sobre o estado de saúde de Luciana, a estudante baleada na Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro. Nenê (Alexandre Frota) comanda seu grupo de dentro do presídio, pelo celular.
Representações de favelas constituem repertório recorrente no cinema brasileiro, mas permaneciam um tabu na seara da TV.
No ano passado, "Cidade de Deus" chamou a atenção para a invisibilidade a que estava condenado o universo da periferia das grandes cidades. O filme impulsionou o projeto de "Cidade dos Homens" na Rede Globo e o de "Turma do Gueto" na Record, curiosamente, duas produções independentes de produtoras que atuam também na área publicitária, O2 e Casablanca.
"Cidade dos Homens" está previsto para ter alguns episódios por ano. "Turma do Gueto" vai para a terceira temporada. O feito é admirável, especialmente quando se observa que há problemas de interpretação, cenário, iluminação, diálogo e roteiro.
Netinho já confirmou que vai abandonar o projeto, dada sua discordância com a guinada em direção ao bangue-bangue cafajeste. Realmente, personagens interessantes como Pamela (Adriana Alves), uma bela estilista de periferia, rareiam.
Campeia o melodramão clichê do tipo "Eu queria saber como é ter uma mãe", na boca de uma órfã viciada. Caracterizações sumárias da "guerra" entre traficantes reforçam estereótipos, como o que associa pobreza e violência.
As fragilidades evidentes sugerem que a crise de conteúdo na TV é tal que basta alguma ousadia persistente para alcançar o público. O aprimoramento técnico e a ampliação da temática serão decisivos para a consolidação ou não do sucesso do seriado.


Esther Hamburguer é antropóloga e professora da ECA-USP


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