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ANÁLISE
"Turma do Gueto" cai no clichê melodramático
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Hoje às 22h30, na Record, vai
ao ar mais um episódio de
"Turma do Gueto". O apresentador Netinho de Paula idealizou
um seriado com espírito de "ação
afirmativa" da identidade negra.
Mas, em sua segunda temporada, "Turma do Gueto" se tornou
uma espécie de "reality show" da
violência de periferia.
Segundo o site do programa, o
episódio da semana passada teria
atingido 14 pontos no Ibope, batendo o tradicional segundo colocado no horário, o programa
"Hebe", do SBT. O episódio tinha
tiroteio, sequestro, overdose, armação, incluindo manipulação
do telejornal ficcional que funciona como elo entre personagens da
história.
Os tipos e o enredo do seriado
são como que caricaturas das notícias que fazem a agenda das
principais cidades nos dias que
correm. Uma escola, onde o professor Ricardo (Netinho) dá aulas,
serve de cenário principal, palco
para a ação de viciados e bandidos
traficantes armados.
Termina o episódio, e vem o noticiário com as novas sobre o estado de saúde de Luciana, a estudante baleada na Universidade
Estácio de Sá, no Rio de Janeiro.
Nenê (Alexandre Frota) comanda
seu grupo de dentro do presídio,
pelo celular.
Representações de favelas constituem repertório recorrente no
cinema brasileiro, mas permaneciam um tabu na seara da TV.
No ano passado, "Cidade de
Deus" chamou a atenção para a
invisibilidade a que estava condenado o universo da periferia das
grandes cidades. O filme impulsionou o projeto de "Cidade dos
Homens" na Rede Globo e o de
"Turma do Gueto" na Record, curiosamente, duas produções independentes de produtoras que
atuam também na área publicitária, O2 e Casablanca.
"Cidade dos Homens" está previsto para ter alguns episódios por
ano. "Turma do Gueto" vai para a
terceira temporada. O feito é admirável, especialmente quando se
observa que há problemas de interpretação, cenário, iluminação,
diálogo e roteiro.
Netinho já confirmou que vai
abandonar o projeto, dada sua
discordância com a guinada em
direção ao bangue-bangue cafajeste. Realmente, personagens interessantes como Pamela (Adriana Alves), uma bela estilista de periferia, rareiam.
Campeia o melodramão clichê
do tipo "Eu queria saber como é
ter uma mãe", na boca de uma órfã viciada. Caracterizações sumárias da "guerra" entre traficantes
reforçam estereótipos, como o
que associa pobreza e violência.
As fragilidades evidentes sugerem que a crise de conteúdo na
TV é tal que basta alguma ousadia
persistente para alcançar o público. O aprimoramento técnico e a
ampliação da temática serão decisivos para a consolidação ou não
do sucesso do seriado.
Esther Hamburguer é antropóloga e
professora da ECA-USP
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