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São Paulo, segunda-feira, 19 de maio de 2003

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MÚSICA

Em "Diamonds on the Inside", quinto CD do californiano, há blues, funk, rock, reggae, gospel e ritmos africanos

Idealista, Ben Harper exibe versatilidade

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO

Há um perigo que ronda todo o artista cult: quando ele é visto como uma espécie de salvador de um cenário morno. O cantor e compositor californiano Ben Harper, 33, faz parte de uma seleta turma que cria signos indecifráveis e ignora os limites entre o ídolo pop e o pregador.
Ao lançar seu quinto disco, "Diamonds on the Inside", Harper já acumula uma década de carreira, período em que foi visto, ao lado de nomes como Beck e Björk, como um herói da música. Agora é hora de exibir os frutos maduros das promessas.
Advoga para si o posto de messias. Um Bob Marley (1945-81) moderno, que clama os ouvintes a fazer uma revolução (na música "With My Own Two Hands"). "Realmente acredito que é possível mudar o mundo", diz Harper em entrevista à Folha. "Qualquer um que puder adicionar algo à consciência coletiva, à elevação espiritual, pode contribuir na mudança do mundo."
Harper fala com a moral de alguém que, desde o primeiro CD, é comparado a "apenas" figuras como Marvin Gaye (1939-84), Jimi Hendrix (1942-70) e Bob Dylan. Contestadores e referências conjugadas no passado (anos 60).
"Nunca se deve comparar pessoas, isso não é justo. Mas é óbvio que eles me influenciaram fortemente, sou um dos poucos da minha geração que já estiveram em um show deles [Marley e Dylan].
Em "Diamonds on the Inside", fica claro que a filiação com o período não é apenas musical. Harper é uma figura dos 60 perdida no tempo, em 2003. Críticas à sociedade e à política e forte espiritualidade, características do discurso dos músicos daquela década, servem de inspiração para ele.
São conceitos, utopias e sonhos de uma realidade alternativa que confortam o rapaz. "O mundo perfeito é o mundo que você cria para você mesmo, para sua família e para os amigos", diz Harper. "Um mundo perfeito é somente perfeito com imperfeições."
E a questão iraquiana, onde fica nesse mundo perfeito? "Cara, essa é uma conversa que vai longe. Sou um homem de paz. Não há razão para que uma das nações mais ricas do planeta não faça nada pelo sofrimento humano no mundo. A América precisa batalhar contra seu próprio mundo. Se você não luta contra essas coisas, você está lutando em uma guerra."
Quem não conseguir alcançar a transcendência proposta por Harper encontrará um músico dividido entre a versatilidade e a pura crise de identidade. Estão aqui as características que arrebataram tantos seguidores: a voz aveludada, a delicadeza de baladas etc.
São "diamantes" de diferentes espécies em um álbum que não se pretende coeso: reggae ("With My Own..."), o gospel e a música africana ("Pictures of Jesus"), blues ("When It's Good"), funk ("Bring the Funk"), rock ("So High So Low"), a lista se estende.
Apenas não peça para Harper explicar sua poesia. "Imprima as letras das músicas, cara." Também não tente entender o que significam os tais "diamantes do lado de dentro" [tradução livre do título do disco].
"Qualquer coisa que possa significar é o que [o título] significa. Nem mesmo eu sei o que significa", despista. "Pode significar que todos devem acreditar em sua própria beleza interior; que, mesmo que você esteja com problemas, continua com um espírito precioso dentro de você. Ainda estou tentando descobrir."


DIAMONDS ON THE INSIDE. Artista: Ben Harper. Lançamento: Virgin. Quanto: R$ 27, em média.


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