São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2004

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Rompendo a inércia


Maior expoente do trip hop, dupla Massive Attack realiza dois shows em São Paulo após "efeito Kraftwerk"

Grupo comenta a produtividade "bissexta" dos artistas do gênero, fala sobre guerra e ironiza Portishead



THIAGO NEY
DA REDAÇÃO

Sem o "efeito Kraftwerk", a ciclovia está pavimentada e livre para os homens-máquina do Massive Attack e seu sombrio mundo de computadores.
"Teardrop", "Inertia Creeps", "Butterfly Caught" e "Unfinished Simpathy" serão ouvidas em São Paulo nas próximas segunda e terça-feira, no Via Funchal, na segunda aparição do (antes trio) duo de Bristol, o maior expoente do chamado trip hop -aquela música eletrônica mais lenta, soturna, que bebe muito do hip hop.
Há seis anos o Massive Attack passou pelo Brasil, mas os shows do grupo no Free Jazz foram completamente eclipsados pela -para muitos- já lendária performance dos alemães do Kraftwerk.
Os discos e a história do Massive Attack -hoje uma dupla: Robert "3D" del Naja e Grant "Daddy G" Marshall- estão em quadro nesta página. A seguir, a entrevista que Daddy G concedeu à Folha, por telefone, da Inglaterra.
 

Folha - Vocês já estiveram no Brasil há seis anos, naqueles shows com o Kraftwerk. Gostaram?
Daddy G -
Já faz seis anos? Bem, foi um show memorável. Nós sempre adoramos o Kraftwerk, foi uma honra tocar com eles. Lembro-me de ter jogado futebol com uns brasileiros numa praia do Rio. E nós ganhamos deles.

Folha - O trip hop não parece ser a música mais apropriada para um país ensolarado como o Brasil...
Daddy G -
Para ser sincero, nossa música não é trip hop, é um estilo próprio. Nossa música não é para climas sombrios ou ensolarados. É música para ser ouvida agora.

Folha - E como você chamaria a música do Massive Attack?
Daddy G -
Não sei. Não dá para nos rotular. Claro, quando nós aparecemos, nosso som era lento, "downtempo", e a música que era feita na época era completamente "uptempo". Mas nunca nos associamos a apenas um estilo.

Folha - Você considera o Massive Attack música eletrônica?
Daddy G -
Originalmente foi como começamos, música feita eletronicamente num estúdio. Mas desde que nos apresentamos ao vivo, tentamos nos metamorfosear numa banda de shows.

Folha - Como serão os shows? Vão trazer uma banda completa?
Daddy G -
Sim, será mais ou menos como da outra vez. Teremos [o cantor reggae] Horace Andy. Na nossa última tour, Sinead [O'Connor] participou conosco. Desta vez Sinead não irá, pois parece que ela não quer mais fazer shows. Então levaremos [a cantora escocesa] Dot Allison. Ela ficará com os vocais de Sinead. Até fizemos uma nova canção com ela.

Folha - Você não participou de "100th Window". O que aconteceu? Você gostou do disco?
Daddy G -
Minha mulher estava tendo bebê (e ela está tendo um segundo, vai nascer em setembro...). Eu queria umas folgas, estar com minha família. Mas 3D ficou com as rédeas do cavalo, e acho que ele o levou pelo caminho certo. Não é que necessariamente eu fosse ter essas idéias. Foi como 3D achava que teria que soar um álbum do Massive Attack.

Folha - O Massive Attack foi um trio e agora é uma dupla, sendo que o último disco foi produzido por apenas um de vocês. Algumas pessoas dizem que a banda não é mais tão forte como costumava ser. O que você diz para essas pessoas?
Daddy G -
Eu digo: estou de volta! Tudo será salvo! Não somos os Três Mosqueteiros. Provavelmente não deveria dizer isso, mas acho que os Três Mosqueteiros poderiam lutar tão bem quanto se fossem apenas dois. Talvez não tão bem se fosse apenas um...
Não sei, acho que ainda somos fortes e que ainda temos muito a oferecer. As coisas mudam e, talvez, algumas pessoas não estejam preparadas para mudanças. No próximo álbum, vamos mudar de direção, e as pessoas não vão saber para onde iremos, mas ficará a cargo delas nos acompanhar. Isso acontece com várias bandas: o público quer sempre ouvir o mesmo método, não aceita mudanças. E muitas bandas perderam fãs por causa disso.

Folha - Vários grupos de trip hop não estão mais lançando discos. Há alguma crise ou coisa parecida?
Daddy G -
Eles são preguiçosos! Não tem a nada a ver com crise. Mas nós não somos trip hop. As pessoas normalmente te rotulam de uma coisa que você não representa. Se você ouvir "100th Window", verá que não é trip hop, não soa parecido com o primeiro disco. Mudamos nossa perspectiva.

Folha - Mas por que não vemos mais álbuns de trip hop?
Daddy G -
Porque a maioria das bandas chamadas de trip hop não faz mais esse som. Sabia que há um CD do Portishead vindo aí?

Folha - É mesmo?
Daddy G -
É. Deve ficar pronto em uns dois anos [risos]... Mas esperamos lançar o próximo disco o mais rápido possível, no começo do ano que vem. Nem sei o que é trip hop, ou bandas de trip hop.

Folha - O Massive Attack é um dos artistas que têm voz contra a Guerra do Iraque e a política britânica. Você acha que os artistas pop deveriam se pronunciar mais a respeito desse tipo de assunto?
Daddy G -
Acho que algumas pessoas simplesmente não gostam de combinar política e música. Eu ainda me sinto um pouco desconfortável em trazer essas questões para a música. Às vezes não é certo tentar passar suas convicções para outras pessoas, elas podem não entender. Sobre a guerra, tenho certeza de que muita gente pensa da mesma forma, mas eles estão temerosos de dizer isso. Mas acho que, quando pessoas inocentes estão morrendo, não dá para subir no palco e fingir que nada está acontecendo.


MASSIVE ATTACK. Onde: Via Funchal (r. Funchal, 65, SP, tel. 0/xx/11/2163-2000). Quando: dias 24 e 25, às 21h30. Quanto: de R$ 80 a R$ 200.


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