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ANÁLISE
TV precisa de alternativas à violência
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Como representar a violência
sem contribuir para aumentá-la ou ocultá-la? Ao contrário da
vigilância centralizada de que falava Michel Foucault, a difusão
contemporânea excessiva de violência sugere uma espécie de panóptico ao contrário.
Grupos e exércitos atuantes nas
regiões onde o conflito étnico e religioso tornou-se endêmico apostam em uma espécie de guerrilha
audiovisual, estratégia tão ou
mais importante que a disputa
bélica. Os atentados cinematográficos feitos para a televisão em 11
de setembro de 2001 são, é claro, o
exemplo mais acabado dessa técnica pós-moderna de intervenção
simbólica.
Mas a disputa pelo controle dos
mecanismos de produção e circulação da representação vai além
dos grandes eventos. A cada dia o
estoque internacional de imagens
de violência radical se renova.
A última semana foi rica em
exemplos escabrosos de uma variedade obscena de técnicas de
tortura. As fotos oficiais de corpos
nus de prisioneiros iraquianos
humilhados continuam a ser
exaustivamente exibidas nas TVs
do mundo inteiro.
O contra-ataque na forma de
degola on-line seguiu o mesmo
caminho, invadindo o espaço doméstico. Explosões cotidianas ao
redor do mundo garantem uma
repercussão que contrasta com a
relativa invisibilidade da chaga
brasileira.
Aqui não há facções que clamem por atentados. Não há "imagens de impacto" dos policiais
que invadiram um supermercado
na zona leste paulistana, matando
"por acidente" a dona Raimunda
Furtado, que fazia compras no último domingo. Ela caiu sem socorro. Ou dos misteriosos assassinos que, na calada da noite, acertaram oito tiros em Luís Pereira
do Nascimento, o ex-interno da
Febem que acabara de lançar um
livro em co-autoria com outros
colegas de internato.
Tampouco visualizamos o funcionário fantasma de uma empresa de segurança privada que matou à queima-roupa e à luz do dia
um estudante em uma praça do
Alto de Pinheiros na capital paulista. A falta de imagens deveria
estimular a pesquisa de formas de
representação que contribuam
para eliminar a demanda diária
da mídia por doses crescentes de
sangue.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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