São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2004

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ANÁLISE

TV precisa de alternativas à violência

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Como representar a violência sem contribuir para aumentá-la ou ocultá-la? Ao contrário da vigilância centralizada de que falava Michel Foucault, a difusão contemporânea excessiva de violência sugere uma espécie de panóptico ao contrário.
Grupos e exércitos atuantes nas regiões onde o conflito étnico e religioso tornou-se endêmico apostam em uma espécie de guerrilha audiovisual, estratégia tão ou mais importante que a disputa bélica. Os atentados cinematográficos feitos para a televisão em 11 de setembro de 2001 são, é claro, o exemplo mais acabado dessa técnica pós-moderna de intervenção simbólica.
Mas a disputa pelo controle dos mecanismos de produção e circulação da representação vai além dos grandes eventos. A cada dia o estoque internacional de imagens de violência radical se renova.
A última semana foi rica em exemplos escabrosos de uma variedade obscena de técnicas de tortura. As fotos oficiais de corpos nus de prisioneiros iraquianos humilhados continuam a ser exaustivamente exibidas nas TVs do mundo inteiro.
O contra-ataque na forma de degola on-line seguiu o mesmo caminho, invadindo o espaço doméstico. Explosões cotidianas ao redor do mundo garantem uma repercussão que contrasta com a relativa invisibilidade da chaga brasileira.
Aqui não há facções que clamem por atentados. Não há "imagens de impacto" dos policiais que invadiram um supermercado na zona leste paulistana, matando "por acidente" a dona Raimunda Furtado, que fazia compras no último domingo. Ela caiu sem socorro. Ou dos misteriosos assassinos que, na calada da noite, acertaram oito tiros em Luís Pereira do Nascimento, o ex-interno da Febem que acabara de lançar um livro em co-autoria com outros colegas de internato.
Tampouco visualizamos o funcionário fantasma de uma empresa de segurança privada que matou à queima-roupa e à luz do dia um estudante em uma praça do Alto de Pinheiros na capital paulista. A falta de imagens deveria estimular a pesquisa de formas de representação que contribuam para eliminar a demanda diária da mídia por doses crescentes de sangue.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP

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