São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2010

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63º FESTIVAL DE CANNES

Festival leva atores da favela a tapete vermelho

"5 x Favela", fora da competição, é único longa-metragem brasileiro no evento

Produzido por Cacá Diegues e Renata Almeida, filme levou 15 integrantes da equipe ao festival; "difícil foi escolher roupa", descrevem


Dominique Maurel
Roberta Rodrigues, Tereza Gonzalez, Feijão, Marcio Vito, Cintia Rosa e Thiago Martins, do filme "5 x Favela", em Cannes

ANA PAULA SOUSA
ENVIADA ESPECIAL A CANNES

O hotel Majestic é o ponto de partida para a "montée des marches", nome da caminhada, em traje de gala, pela escadaria vermelha de Cannes. O percurso até o Palais leva, no máximo, cinco minutos. Mas que longos eles podem ser.
"Na real, é subir uma escada. Faço isso todo dia no meu prédio, faço isso para visitar meus amigos no morro. Mas, na hora de sair do Majestic, senti uma coisa. Não sei quanto tempo durou aquilo, mas foi louco."
Cadu Barcellos, 23, morador do Complexo da Maré, resume o que sentiram os outros 15 integrantes da equipe de "5 x Favela: Agora por Nós Mesmos" que vieram a Cannes. Único longa-metragem brasileiro na seleção, mas fora de competição, o filme produzido por Cacá Diegues e Renata Almeida trouxe para cá jovens que, em sua maioria, nunca tinham saído do Brasil.
"Será que alguém da favela já pisou aqui? A gente é um marco dessa parada", aposta o ator Washington Rimas, 34, o Feijão, ex-traficante de drogas, integrante do AfroReggae.
Vestindo um bem cortado blazer bege Yves Saint Laurent, camisa e calça pretas, Feijão olha para si com um sorriso travesso e confessa: "É tudo novinho. Um amigo comprou o blazer para mim em Nova York". "Não tenho o biotipo do galã, então tinha que caprichar, né?" Thiago Martins, 21, caprichou tanto que, morrendo de dor nos pés, teve de arrastar os sapatos de bico estreito pela orla. "Mas vale o sacrifício", brincava, meio manco, o ator vindo do morro do Vidigal.
Ao caminhar do Majestic para o hotel onde estão hospedados, os jovens chamaram a atenção dos turistas com seu caminhar festivo e as paradas para fotos na orla, em frente a vitrines ou ao lado do banner do festival. As atrizes Roberta Rodrigues, 25, e Cintia Rosa, 30, deixaram, inclusive, alguns de olhos esbugalhados. Mas, tão envolta estava no próprio sonho, que Rosa nem se deu conta dos olhares.
Deslumbrada, achou tudo diferente e, ao mesmo tempo, parecido. "Parece um pouco o Rio, né? Praia, pessoas bonitas...", diz a atriz, que entrou no grupo Nós do Morro aos nove anos.
"Não sei nada daqui. A nossa referência da França são os pontos turísticos, tipo Torre Eiffel." Curiosamente, a principal referência de muitos deles era Napoleão Bonaparte.
Hoje, filme exibido e fotos tiradas, eles prometem tentar ver alguma sessão -qualquer que seja ela- e, claro, aproveitar a fartura de champanhe.
Seguros do valor do projeto, muitos deles dizem que o mais difícil foi mesmo escolher a roupa. O filme, asseguram, é resultado de um trabalho que antecede o carimbo de Cannes.
"É incrível ter esse selo, mas, antes de estar aqui, já sabíamos que esse filme podia ser um ponto marcante no cinema brasileiro. O tapete foi só um "frame", diz Barcellos. "Agora temos as câmeras nas mãos." A diretora Manaira Carneiro, 22, parte para exemplos práticos: ""Cidade de Deus" é uma favela de bandido. "Tropa de Elite", alem de ter uma visão de mundo complicada, é a favela que o policial vê. Mas favela, como qualquer lugar, é tudo".
Feijão, certo de que a vinda Cannes é a coroação do projeto, aprendeu até a falar inglês. "Good God, thank you."

Leia a cobertura diária do Festival de Cannes

www.folha.com.br/101304



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