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Todos nós queríamos ser o Frank Sinatra
ARNALDO JABOR
da Equipe de Articulistas
Quando eu nasci, o Frank Sinatra estava estreando no Paramount Theatre em Nova
York, com os brotinhos histéricos da época querendo comê-lo
vivo, entre lágrimas de paixão.
Aliás, o Frank Sinatra nasceu
no mesmo dia que eu, 12 de dezembro, aniversário também
de homens ilustres como Ludwig Van Beethoven, do escritor
Gustave Flaubert e do meu
amigo e rival "Cabeção", da
Urca, famoso campeão de ejaculações em velocidade, como
já contei aqui.
Agora que Sinatra morreu,
percebo que sua presença moldava minha personalidade
adolescente, quando fui morar
com meus pais nos EUA, numa
cidadezinha chamada Saint
Augustine, na Flórida. Nessa
época, o Sinatra estava se recuperando do alucinado casamento com a deslumbrante
Ava Gardner e estava lançando seus discos mais "swinging",
com orquestrações do grande
Nelson Riddle para a Capitol.
Eu já era seu fã desde que ele
se separou da Ava Gardner.
Logo depois, ela veio ao Rio e
quis "dar" para um cantor da
Rádio Nacional que, deslumbradamente, broxou e ela quebrou o quarto todo do hotel.
Naquele tempo, as estrelas vinham ao Brasil quebrar hotéis.
Orson Welles quebrou o Copa,
Ava quebrou o Glória e nós babávamos de orgulho: "Fulano
veio aqui e arrebentou tudo!",
dizíamos, exultantes colonizados.
"Eu não broxaria!", bradou
na época o mestre Bené, o pipoqueiro, meu professor de sexo, de fronte alta. E disse em
português castiço: "O que me
dói é sabê-las mal comidas!"
Eu nem falei, já deprimido
com a fragilidade dos grandes
amores, pensando no pobre Sinatra, com dor-de-corno em
Los Angeles. Pois o cantor broxou e até hoje essa história é
uma mancha na sexualidade
do macho brasileiro, um dos
poucos orgulhos nacionais.
Pois bem, quando eu cheguei
aos EUA, eu queria ser o Frank
Sinatra. Trêmulo diante de tudo, eu era o rapaz perfeito para "não fazer" sucesso na América. Magro, lendo poesia, não
combinava com aqueles delinquentes juvenis que tinham
entrado na moda, com cabelos
à Elvis, jaquetas de couro, facas de mola ("switch-blades"),
que eles usavam no doce esporte de sair na porrada. Eu vi que
tinha absolutamente que arranjar uma personalidade para mim. E foi o Frank. Sua
inesquecível briga com Ernest
Borgnine em "A um Passo da
Eternidade", quando o magro
soldadinho arrebenta uma cadeira na cabeça do sargentão
fortíssimo, me marcou a alma.
Eu passei a ostentar um frio
distanciamento, uma falsa
fleuma diante dos colegas
americanos, tentando imitar o
jeito do meu ídolo. O que me
fascinava era a tranquilidade
que ele dava a seus personagens de cinema. Lembro-me de
seu olhar calmo, puro, azul, em
"Young at Heart", por exemplo, um olhar que denotava coragem e desencanto, inocência
e sabedoria, com uma interpretação nova, que fugia dos
trejeitos neuróticos do Actor's
Studio e imobilizava suas feições, num "ritcus" minimalista, olhando sem medo. Eu não
gostava dele em papéis mais
trêfegos, como em "On the
Town". Eu queria-o triste como eu, desolado, solitário, com
a capa nos ombros, gravata
aberta, cigarro entre os dedos.
Com os delinquentes juvenis
que me cercavam na "soda
fountain", isso funcionou razoavelmente, o que me salvou
de espancamentos perigosos,
pois os garotões me achavam
um estranho "nerd" útil, já que
eu lhes dava generosa "cola"
em "speling", pois, inacreditavelmente, eu soletrava melhor
que eles, engasgados nas "dificílimas" palavras de raiz latina. Já com as meninas, meu tipo funcionou menos. Tive três
namoradas: Emily, Brenda e
Melinda. Elas se impressionavam com meu mistério de estrangeiro, minha aparente
frieza de macho vivido, um
"scent" de Humphrey Bogart
que eu também soubera acrescentar a meus gestos, o que no
Brasil me valeria o apodo de
"mascarado", charme comum
nos anos 50, descrito por esse
termo em desuso, mas muito
útil para nomear contemporâneos. Precisamos reciclar a palavra "mascarado". Mas, isso é
outro papo. O fato é que eu fazia um sucesso inicial e logo
depois perdia pontos, devido a
minha vocação natural para
virgem romântico, que se apaixonava com facilidade. Emily
Killbrew (a ruiva que andava
a cavalo) me descurtiu, quando eu cantei "I Got You Under
My Skin" em seu ouvido, trêmulo de paixão. Melinda
Mills, loura aguada com seios
enormes sob o "sweater", perdeu o amor por mim quando
viu lágrimas rolando em meu
rosto ao fim da projeção de
"An Affair to Remember", com
Cary Grant (ou Gregory Peck?)
e Deborah Kerr, no cine Matanzas. A linda Brenda (mais
"pirada", sexy e talvez não
mais virgem -como saberei
agora?) simplesmente sumiu
com Warren Caputo, italiano
forte e mau que tinha um carro
"hot rod" com pneus de trator.
E eu me identifiquei com a famosa dor-de-corno de Sinatra,
abandonado por Ava, que tinha ido "dar" para um toureiro na Espanha e quebrar o hotel no Rio, "não comida", para
nossa vergonha.
A verdade é que eu continuei
seguindo o Frank Sinatra e fiquei deslumbrado de inveja
quando estreou o "Ocean's Eleven" e surgiu o "Rat Pack" ("a
turminha dos ratos"), como
eram chamados os alegres
playboys de Las Vegas: ele,
Dean Martin, Joe Bishop,
Sammy Davis e Peter Lawford.
Era o máximo, aqueles gozadores de terninho e uísque na
mão, sacaneando os americanos caretas dos 60. Era a
pré-figuração de um desbunde
para executivos.
Aí, o Frank já perdera aquela
aura lírica do início e virara
outro tipo de herói: o cínico comedor de: Laureen Bacall, Marilyn, Jill St. John, Kim Novak,
Mia e muitas outras. Depois,
ele se meteu em negócios com a
máfia. Muitos se desapontaram. Eu, não. Eu queria ser da
"gang" do Lucky Luciano e do
Sam Giancana de Chicago,
queria ter poder, ser mau com
os inimigos e leal aos amigos
(dizem que, quando o Woody
Allen se separou agora da Mia
Farrow, o Sinatra perguntou se
ela queria que quebrassem as
pernas dele). Hoje, sei que
nunca atingirei o paraíso na
Terra, que para mim teria sido
participar de uma festinha do
"rat pack" com todas aquelas
mulheres boas ("broads") na
suíte presidencial do Sands
Hotel, em Vegas. Nunca chegarei lá. E minha vida tem sido
isso; só percebi quando ele
morreu. O tipo de macho ideal
que ele encarnava me dava régua e compasso. Até o dia em
que tive -aí sim- uma séria
decepção, melhor dizendo, um
trauma, uma ferida narcísica
incurável. Foi quando Sinatra
preferiu Tom Jobim a mim. Este sim conseguiu o que tanto eu
queria na vida. Chamado a
Los Angeles pelo telefone do
bar Veloso, Tom privou com
ele e apareceu naquelas imagens que me gelaram a alma,
dando gargalhadas e tocando
violão com meu ídolo no estúdio de gravação... Que felicidade naquelas fotos -os dois
lindos fazendo música. Tão
grande foi minha inveja, tão
funda minha dor que, quando
Sinatra veio ao Brasil, eu não
fui ao Maracanã. Ninguém
percebeu, mas eu não fui e vi
na televisão, depois, o que eu
tinha perdido. Era tarde demais. Nunca mais eu veria
Frank Sinatra em carne e osso,
cantando "I Got You Under
My Skin" ou "The Lady Is a
Tramp", como no imortal Pal
Joey. E hoje, só me resta esta
vida escura, sem brilho, sem as
luzes de Las Vegas. E ontem
caiu minha última esperança.
Pensei: se até o Frank Sinatra
morreu, que será de mim?
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